ACADEMIA FEMININA ESPIRITO-SANTENSE DE LETRAS
MEU DISCURSO DE POSSE
Cadeira 33. Patrona: ARGENTNA LOPES TRISTÃO
Em pouco mais de seis laudas, escritas em
antiga máquina de escrever, ela assim encerrou sua autobiografia: este documento que encerro em cálida
manhã do dia 24 de novembro de 1992, foi elaborado no meu “chalet” a Rua
Roberto Kautsky, s/n, na cidade de Campinho (Domingos Martins). E o dedicou a mim, é a mim! São exatamente
estas as palavras com que o fez: Eu o ofereço a minha possível sucessora na Academia Feminina
Espírito Santense de Letras.
Certamente, D. Argentina jamais pensou
que aquela moça com quem um dia conversou em italiano, na sua loja da Rua do
Rosário, para quem autografou um pequeno livro, onde reuniu em trovas, frases
copiadas de para-choques de caminhão, fosse exatamente, a destinatária desse
seu gesto de carinho.
Para
dizer da minha sensibilidade ao recebê-la, dirijo-me às suas duas filhas, aqui
presentes, Diana e Maria da Penha, com meu sincero muito obrigada.
De quem vem a ter assento em uma
Academia se diz que se torna imortal “mas não imorrível” na expressão real e
divertida de Murilo Melo Filho. Argentina Lopes Tristão, hoje, mais que ontem,
é imortal. Seu nome e sua lembrança não perecerão, porque além de ter
pertencido a esta Academia, a cadeira 33, que ora, com orgulho e alegria
assumo, tem seu nome.
Quem foi Argentina? Filha de um pai português, Luiz Antonio Lopes
e de uma mãe brasileira, Maria Lopes da Cunha, nasceu aos 14 de abril de 1914,
na aprazível região de Monte Belo, em Iconha, neste Estado.
A família mudou-se pra a cidade de
Manhuaçu – MG, quando Argentina tinha sete anos de idade. Ali, a menina
cresceu, se desenvolveu e completou o curso da Escola Normal Oficial, com
defesa de tese sobre “Metodologia do Ensino de Português”.
Dedicou-se ao estudo da língua francesa,
então considerada universal, vindo a dominá-la com fluência, além do italiano e
do inglês. Guardou com carinho, nome de Mestres de cujos ensinamentos bebeu,
mencionando: Dr. Juventino Nunes, um professor de português; D. Maria Batista
Nunes, professora de geografia e história; D. Maria Vicentina Nunes, professora
de ciências naturais, física e química e como não poderia deixar, D. Maria de
Lucca Pinto Coelho, professora de francês.
Foi frequentadora assídua dos vários
grêmios existentes na cidade. No Grêmio Literário “Coelho Neto”, encontrou o
sabor dos pendores para as letras aos
quais desde então se sentia inclinada.
Pela declamação de poesias, percebeu,
como afirmou a “sensibilidade trazida pela musicalidade da palavra que nos
torna sensíveis ao aprendizado de outros idiomas”.
A ela se deveu a mais eficaz projeção do
jornal “Idéia Nova”, de nível essencialmente literário, órgão oficial da Escola
Normal de Manhuaçu, freqüentada só por moças, editado nas oficinas de um ex-ministro,
Dr. Segadas Viana, residente na cidade.
Lembra-se da educação para a
feminilidade recebida na sua vida estudantil, mas também das aulas de tango,
substituindo a ginástica comum. Além das, de arte culinária, costura e
trabalhos manuais, que na minha sensibilidade repercutiu como qualquer coisa lembrando
outros tempos, “o tempo de cabeça, do limão de cheiro, negro do recado,...”
Confessou-se admiradora de todos os
gêneros literários, mas “inimiga ferrenha da escabrosidade na poesia”, como se quisesse reafirmar que: se a palavra que disposta em versos não
conseguir provocar aquele arrepio que brota da mais perfeita sensação de beleza, se não provoca um
certo arrepio, poesia não é.
Cultuou Catulo da Paixão cearense como o
poeta sertanejo por excelência, além de José da Luz. No ápice de sua produção
literária, quem mais a teve foi a trova que denominou “eficientíssimo veículo
de comunicação entre poetas” De fato, fiquei sabendo que era em trova que se correspondia
frequentemente, por exemplo, com o Acadêmico Humberto Del Maestro, outro trovador
capixaba, que a brinda e homenageia, dotando a “A F E S L” com algumas dessas
pérolas.
Foi membro do Instituto Histórico e
Geográfico do Espírito Santo, da Associação Espírito Santense de Imprensa, além
de presidente de honra da Casa da Cultura de Afonso Cláudio – ES. Primeira
trovadora a se inscrever Clube de Poetas e Trovadores de Salvador - Bahia.
Reuniu em seu currículo, inúmeros certificados de participação em inúmeros
eventos pelo Brasil e no exterior.
Deixou três pequenos livros de “trova adivinha”,
“Legendas de pára-choque”, também em trovas. Em sonetos: “Cadeia de Sonhos”;
“Cenas da Vida Diária” (crônicas), um livreto com o título de “Sonetilho”; em
poema livre, deixou a “História de Afonso Cláudio” (de sua fundação a 1930); “A
Trova Adivinha” em parceria com Amália Max (do Paraná); “O Menino José” é obra
com que resgata história da vida de José Ribeiro Tristão, “esse grande
administrador de empresas de saudosa memória”, afirmou ela.
Muito jovem, três meses e três dias após
terminar os estudos, desposou Raymundo Ribeiro Tristão, com quem teve três
filhos, Luiz Misael Lopes Tristão, já falecido; Diana Lopes Tristão e Maria da
Penha Tristão de Souza que lhe deram nove netos.
Por influência do marido, ocupou-se por
muitos anos no comércio, onde sua alma de poeta deu vez à estilista
incomparável no seu tempo. Muitas foram as noivas que no dia maior de suas
vidas, subiram ao altar vestidas sob inspiração de D. Argentina. De fato, ela
até registrou em suas memórias, a dedicatória lançada pela também acadêmica,
Magda Lugon, no seu livro “Pequena Flor”: “Para minha querida Argentina, que
com sua arte, criou-me o mais lindo vestido que jamais exibi em minha vida: o
meu vestido de noiva”.
Na hora que julgou chegada, D. Argentina
deixou as demais atividades, deixando permanecer intata a trovadora e escrevia
frequentemente.
No seu chalé em Domingos Martins,
premiada pela natureza, ela deu asas aos sentimentos que se afloravam, não se
podava e assim era que se divertia com o bando buliçoso da garotada da rua,
deliciando-se em banhos inesquecíveis em sua piscina. Quando recriminada por
algum familiar, respondia que era muito bom ouvir toda aquela algazarra, música
impagável. Outra prova do quanto com os
garotos se identificava se traduz no contato com aqueles que invadiam a Praça
Costa Pereira, a quem fornecia lanche e falava da presença de Deus que tudo
vê. Um Deus que cultuou sempre ainda que
jamais se tivesse ligado aos preceitos de uma religião.
No dia 22 de maio de 1999, Argentina Lopes
Tristão aceitou um convite para uma seresta em cuja oportunidade seria mais uma
vez homenageada, na Casa da Cultura em Afonso Cláudio. Na hora precisa,
dirigiu-se para lá onde era esperada pelo Senhor da Vida que diligenciaria seu
regresso à casa do Pai.
A festa da terra murchou, mas foi um
espetáculo a que aconteceu no céu! Os amigos da terra não conseguiram sufocar o
pranto, mas os do céu vibravam com a chegada de Argentina.
Na Igreja católica, comemorava-se a
festa de Santa Rita de Cássia, gostam de lembrar seus familiares, que
exatamente por isto, como que se sentem de certa forma recompensados, pela
incomparável perda.
Na busca de uma sua palavra para
constituir em síntese do seu testamento literário, respaldando a afirmação de
sua filha, Maria da Penha, que a definiu como “uma mulher sintonizada com as
causas e as coisas do seu tempo” escolhi duas trovas:
“Eu tenho um profundo amor,
Ao irmão deficiente,
Pois o grande Deus Senhor,
Não vê ninguém diferente”.
O gesto vil do atentado
De consequências insanas
Que torna animalizado
O uso das forças humanas.
Esta
fala se restringe ao canto sobre a Patrona da cadeira que passo a ocupar.
No
entanto, como já me acostumei a ser repetidamente perdoada, quando externo
minhas irresignações, espero que mais uma vez, assim aconteça. É que não
posso sufocar um sentimento profundo que
me possui: o da mais sincera e profunda gratidão às Acadêmicas
que generosamente referendaram meu nome,
tornando-me integrante dessa Casa, onde doravante espero estar contribuindo na
defesa dos objetivos que se propõe.
Ajudem-me, também lhes peço, para que a cada dia seja menos incapaz e
envide os melhores esforços, na defesa da Língua Brasileira, na sua mais alta
expressão.
Nem posso deixar de citar os amigos que
me alimentam com o incentivo da presença e da amizade; a minha família que aqui
está, participando comigo da grandeza e da magnitude desta hora, principalmente
à minha mãe, a quem dedico este momento.
Sobretudo e sobre todos a Deus, que me
dotou dos dons que tornaram ser possível, ser aceita e estar aqui e por tudo o
mais que nem conheço e nem sei!