Roupinhas surradas
que já não estão limpas revelando ausência de cuidados o que se pode traduzir
no fato de sorrateiramente ter deixado a casa há muitos dias ou ter sido
constrangido a tal gesto pelas tantas faltas do absolutamente indispensável que
ali predomina e cuja lista, não se exclui, pode ser encabeçada pelo amor.
Sentado na calçada
da Igreja catedral da cidade, com os cotovelos sobre os joelhos, mãos sob o
queixo sustenta a cabeça ligeiramente inclinada. Os olhos fixam qualquer ponto
do asfalto sob seus pés. Terá não mais que oito ou nove anos. Pés descalços e
muito sujos.
Estranho que ao
passar por ele, não esboce o mínimo gesto, sequer me faz ouvir o clássico
pedido: Tia, me dá um trocado.
Prossigo pensativa enquanto
me bombardeio de inúmeras interrogações, para as quais se sucedem outras tantas
respostas. São todas já feitas, de origem já conhecida, respondidas, com
soluções discutidas, leis para elas previstas, descaso que retarda por em
prática o que é devido, omissão tornada hábito e continuidade do que acabara de
ver.
Atordoada pela cena,
no entanto, prossegui meu caminho, quando de repente me apercebo de que não fui
samaritana. Aquela criança não obstante os poucos anos vividos já viveu uma
história de sofrimentos, de privações de desconforto, já levou muitos açoites
da vida.
Quando se quis
comprometer todos os responsáveis, consignou-se naquele que é considerado pelos
desavisados, um mau, mas para quem conhece a fundo o problema e examina os
fatos pelos seus diversos ângulos, sabe que tem tudo para dar certo, mas que
não é observado também, o Estatuto da Criança e do Adolescente.
Prevê no seu Art. 4º É dever da família, da
comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta
prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura,
à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.
Ai está não é tão
difícil assim, sobretudo sua efetividade não depende de dinheiro, como condição
primordial para valer.
Outro legislador,
esse o mais Sábio, também promulgou um mandamento: deixai vir a mim as criancinhas,
ou dai-lhes a vida que compete de sua parte do resto me encarrego Eu.
Entrementes, decido
pela volta e retomo a caminhada inversa até o ponto onde a vi e a poucos metros
constato dorida, ela já se fora, prossigo um pouco mais a frente e a decepção é
ainda maior. Agora encolheu-se ainda mais e chora. Ao toque da minha mão no seu
pequeno ombro levanta a cabeça e vejo que tem na face a marca de uma bofetada
violenta. Depois de muita insistência, tenho a resposta. Alguém passara por ali
e lhe dera uma moeda de um real, um outro garoto viu e mal a pessoa se afastou,
toma-lhe o dom além de espancá-lo.
Abrindo a bolsa
dei-lhe o que lhe foi retirado, mas ele continua chorando e se encolhe ainda
mais.
Como é dura a vida!
Não se pode imputar-lhe nenhuma culpa ou gesto que merecesse semelhante
sorte...
Fiquei sem ação e
agora para concluir esta crônica, também não sei onde foram parar as
palavras...