1ª publicação fevereiro de 2001, ocorreram mudanças.
Ninguém duvida que nossa legislação por numerosa
que seja, não atende a demanda de questões postas à decisão pelo Poder
Judiciário. Assim é que, não raro, acabamos por nos deparar com o que se chama
de lacuna da lei, ou seja, com seu silêncio a respeito de um
assunto ou outro, colocando algum obstáculo a respostas efetivas pela sociedade
esperadas.
É que a legislação não tem conseguido acompanhar os
tempos, mais precisamente, a multiplicidade de situações que o homem cria no
curso de sua existência, atendendo ora a razão, ora a paixão, enfim, dando azo
aos apelos que a vida lhe faz.
Entretanto, nada justifica que um Juiz pudesse vir
a omitir-se na prestação jurisdicional, alegando lacuna da lei. O Judiciário se
erige como poder, exatamente como forma de dizer presente e ter, em nome da
justiça, resposta efetiva e pronta ao conflito suscitado. Não poderá deixar sem
decisão qualquer questão que lhe seja proposta. Neste sentido, de forma sábia
afirmam Aftalión, Garcia y Vilanova(1), com os quais comungo no sentido:
"Contra la opinión de algunos autores, que han
sostenido que en el ordenamiento jurídico existen lagunas – o sea, casos o situaciones
no previstas – que sería necesario llenar o colmar a medida que las
circunstancias mostrasen la conveniencia de hacerlo, debemos hacer notar que el
ordenamiento jurídico es pleno: todos los casos que puedan presentarse se
encuentran previstos en él (...) No hay lagunas, porque hay jueces".
Desde que a Constituição de
1988, demonstrando solicitude ante a situação concreta de conviventes, pessoas
que sem o selo legal, entre si pactuaram tacitamente, obrigações recíprocas,
erigiu-a à condição de família, duas leis foram editadas. A primeira,
Lei 8.971/94,cognominada lei dos concubinos. A
segunda, Lei 9.278, de 10 de maio de 1996, regulamentando da Constituição
Federal:
Art. 226 - A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
§ 3º - Para efeito
da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o
homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão
em casamento.
A partir de então, ao menos dois aspectos vêm
apresentando alguma dificuldade: convivência duradoura e sua respectiva
repercussão sobre o patrimônio, quando há.
Convivência
duradoura
Na
regulamentação do dispositivo constitucional acima , veio dizendo o art. 1º da
lei citada: É reconhecida como entidade familiar a convivência duradoura,
pública e contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de
constituição de família.
Pergunta-se como é que
deve ser entendida essa convivência duradoura ou como deve ser reconhecida. Não
é sem razão. Como família, não difere da que se forma mediante casamento. E há
casamentos que terminam no dia seguinte até, quanto mais há os que duram apenas
alguns meses, pouquíssimos anos, menos de cinco, muitos. E cinco anos é o lapso
que o Instituto Nacional de Seguridade Social sempre prescreveu como forma de
caracterizar a relação dos outrora companheiros, até amantes, para
conceder-lhes benefício.
Logo, se o fato de no
casamento não carecer de tempo para configurar o que anteriormente entre os
contraentes foi pactuado, dir-se-á ser porque se processou segundo as regras
civis. Mas mais que de casamento fala-se em família e é à família que foi
assegurada pela Constituição, a proteção do Estado.
Na hipótese de ter havido
casamento entre duas pessoas, isto é, tenha havido celebração: do pacto anti
nupcial ao ato consumativo, ao ser proclamado: "eu vos declaro marido e
mulher", na hipótese de que jamais venham a coabitar ou conviver, se entre
os dois não há aquele respeito recíproco recomendado aos cônjuges, se cada um
continua adotando o comportamento que antecedeu à celebração; se mesmo vindo a
terem filhos, ignoram-nos, poderá ser admitido que a intenção foi outra, jamais
que tenham sido movidos pelo ânimo de constituir uma família.
Ao invés, entre os que
apenas convivem, mas agem em sentido oposto, visíveis aquelas características,
teremos a família. Além disto, não é que seja grande a dificuldade do
reconhecimento, pois, o que vai caracterizar uma convivência duradoura, está
previsto na própria lei, ou seja, que seja pública, contínua, entre um homem e
uma mulher, e que tenha sido com o fim de constituição de uma família.
O
lapso de tempo se confunde com o ânimo do qual se alimentam os que se unem. Não
será o tanto em anos que caracterizará a união estável, mas repete-se, a prova
de que ao se unirem foram determinados pelos pressupostos evidenciados e que a
caracterizam.
Como
já escrevi em outro artigo
(2): "a
dificuldade se evidenciará na hora de eventual necessidade de
postulação em juízo, porque, assim como não basta dizer ao Estado Juiz, eu sou
casado com fulano, mas tenho que provar mediante exibição de certidão do
registro respectivo do meu casamento, não basta que eu diga, vivo, convivo,
desde tal dia, ou por este tempo com A. Preciso provar". Entendo que esta
prova possa ser produzida antecipadamente e será facilitada pela presença de
filhos. Uma forma é valer-se do que dispõe o art. 861 do Código de Processo
Civil: "quem pretender justificar a existência de algum fato ou relação
jurídica, seja para simples documento e sem caráter contencioso, seja para
servir de prova em processo regular, exporá, em petição circunstanciada, a sua
intenção", ao Juiz.
Já adotei este
procedimento há mais de vinte anos atrás, quando procurada por um casal que se
preocupou com a situação em que conviviam, na hipótese principalmente da morte
dele, com bem mais anos que ela e porque em seu nome estavam todos os bens que
tinham.
A prova testemunhal, por
alguém já cognominada "a prostituta das provas" continua sendo meio
idôneo, até porque, quando desde sempre admitida, o foi em nome do respeito que
se deve tributar à palavra cidadã de todo homem, proferida consoante o dever
cívico de ser honesto e verdadeiro.
Efeitos
patrimoniais da União Estável
O termo patrimônio na sua
origem latina traduz "patris" = do pai, mais "munus" =
ofício, encargo. O "pater famílias" era o único detentor da
propriedade de todos os bens. Hoje, vulgarizado o termo, corresponde ao
conjunto de bens que alguém tem ou ao conjunto de bens de que alguém é titular
com as obrigações que disto decorrem.
No casamento, no que diz
respeito ao patrimônio, admite-se a opção por uma das três modalidades:
comunhão universal ou pela parcial de bens, como de sua total separação.
Erigida à condição de
família a união estável, a ela se reconhece na hipótese de rescisão (termo com
que a lei se exprime ao mencioná-la), o direito de partilha dos bens. Daqui
nasce a questão de como se fará?
Em princípio,
responder-se-á, tal qual se faz na separação ou no divórcio. Mas em qual das
formas? No casamento, a escolha prévia determinou o regime, o que não acontece
na união estável.
A lei não diz. Mas nem
nesta hipótese falar-se-á de lacuna, pois, o ordenamento jurídico reservou a
determinado agente, no caso, ao juiz, a atribuição de dizer sobre o fato
concreto que lhe for apresentado. Que se valha por conseguinte, do disposto no
art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil: "quando a lei for omissa, o
juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios
gerais de direito".
Como de acordo com a
analogia? pelos ditames do bom senso. Como segundo os costumes? segundo o que
ouve do povo do qual deve estar muito perto, para não correr o risco de errar,
mesmo quando aplicar exclusivamente a lei; e quanto aos princípios gerais de
direito, porque os homens já não terão o que inovar em se tratando de si
mesmos. Quando pensarem que estarão dizendo algo que seja novo, retrocedam e
saibam que no passado, já houve alguém quem disse o que estará dizendo.
Pessoalmente, considero
que se devam adotar as regras previstas para a comunhão parcial de bens, ou
seja, será partilhado o patrimônio comprovadamente acrescido no curso da
convivência pelo esforço comum dos que a constituem, isto é, dos conviventes.
Diversamente, a
equiparação de direitos entre os que se casam e os que apenas convivem os
desigualaria, pois, reconheceria a estes um direito mais amplo que àqueles,
ferindo o bom senso e a própria justiça.
Vai chegar o dia em que
os que decidirem conviver sem satisfação dos preceitos civis que se aplicam ao
casamento, concluirão pela necessidade de contratar expressamente sobre como
deverá ser interpretada suas vontades(3). Estarão condicionados somente a se
haverem nos limites do que seja lícito, sendo ambos capazes e sem ferir
qualquer preceito de lei. Aliás, tal e qual já previa o Código de Hamurabi –
dezoito séculos antes de Cristo: art 128 - Se alguém toma uma mulher, mas não conclui um
contrato com ela, esta mulher não é esposa.
Conclusão
Trata-se de assunto novo
no mundo jurídico, outras dúvidas virão, outras questões serão postas.
Quando os juízes e
tribunais, mediante boa argumentação jurídica, que por sua vez deve brotar da
pena das partes, forem provocados, se fará claridade nestas sombras e cada um
confirmará o que já lhe dita o bom senso do qual o direito é apenas aquele que
o manifesta, expressa ou traduz.
NOTAS
1. Introducción al
Derecho, n 1º 27, pág. 233, Buenos Aires, 1975.
2. União Estável e
Concubinato
3. Tenho comigo um
contrato firmado entre um senhor de mais de 60 anos de idade com o pai de uma
garota de apenas 14. Deparei-me com esta situação no Juizado da Infância e do
Adolescente em Vitória – ES.