Encontrei casualmente este artigo, relendo-o, quis publicar aqui.
A maioria das coisas que valem a pena,
geralmente, não chegam ao
conhecimento “das gentes”. Continua sendo verdade que tanto quanto “o barulho não faz bem, o bem não faz barulho”, por exemplo., se fazemos N coisas boas, ninguém elogia, ninguém toma conhecimento, quem toma, finge que não viu, mas se alguém tem a desdita de cometer um deslize, coitado...
conhecimento “das gentes”. Continua sendo verdade que tanto quanto “o barulho não faz bem, o bem não faz barulho”, por exemplo., se fazemos N coisas boas, ninguém elogia, ninguém toma conhecimento, quem toma, finge que não viu, mas se alguém tem a desdita de cometer um deslize, coitado...
Nos últimos dois anos, o Tribunal de
Justiça renovou de ao menos seis dos
seus vinte e um integrantes, o último a chegar lá, foi o Desembargador
Arnaldo Santos Souza, que como sempre fizeram seus predecessores, ao tomar
posse, também fez questão de lembrar as origens. E como é bonita e simples a
origem do desembargador!
Como se ele mesmo revisse em filme, sua
trajetória, lembrou o casebre de estuque onde nasceu em Guarapari, na aldeia de
pescadores. De um pai “calafeteiro”
o que significava preencher com cordão ou estopa os espaços intermediários das tábuas
na estrutura dos barcos; de uma mãe cujos
dias transcorria inteiramente presa aos trabalhos domésticos,
administrando com sabedoria o pouco que tinha, para que nada a ninguém
faltasse.
Acostumado à contemplação dos horizontes
vastos do mar, o menino via longe e empenhou-se nos estudos valendo-se de
“bolsas” e foi com garra que um dia viu a hora de sua colação de grau no curso
de direito, em tempo que ainda era privilégio de bem poucos. O incentivo de
amigos levou-o ao concurso para juiz, função que ocupou
vinte e seis anos de sua vida.
Na alvorada do novo milênio, tornava-se
Desembargador.
Foi gratificante constatar o ânimo
revelado para desempenhar a nova função, quando afirmou em seu discurso, da
necessidade que “o Juiz seja sensível para compreender a realidade em que vive,
desinstalando-se ante as mutações pelas quais passa a sociedade em um mundo que
se globalizou”, daí porque, “além de
dominar a ciência jurídica, o magistrado
deve adentrar o campo da sociologia, da
filosofia, da psicologia o que lhe facilitará a realização de um interrogatório
e a subsequente aplicação da pena. Hodiernamente, o juiz não pode ser aquele ser isolado, distanciado
do mundo, em uma redoma de cristal”.
Revelou “a consciência da invariável
frequência com que um magistrado, mais que aplicar, tem que suprir lacuna da
lei”, o que é grande verdade, pois, “um juiz há de ser criativo”, não se pode
julgar generalizando. Os homens e os fatos que lhe dizem respeito, ainda que
com aparência de igual, com certeza divergem na essência. Combateu a súmula
vinculante que considera “obstáculo impeditivo à normalidade e à liberdade de
julgar”, com o que concordo, principalmente, porque as leis não são formas de
dimensões delimitadas, implicando que a aplicação das mesmas se traduza em
colocar ali o fato, se couber, coube o direito.
Vali-me hoje de um discurso de posse,
para demonstrar que habitar os píncaros e chegar a cargos de expressão não é
privilégio de quem nasce em berço de ouro, mas de quem é obstinado e não foge à
luta, de quem sabe que não se constrói uma sociedade fechando os olhos para a
realidade, mas com a honestidade de quem reconhece os próprios erros e
deficiências e se propõe continuar lutando. Sobretudo, de quem “entende que a
democracia, o estado democrático de direito não se compadece com um judiciário frágil
e sem expressão”.
Marlusse Pestana Daher
A GAZETA 08-11/06/01