segunda-feira, 12 de junho de 2017

IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA


Ninguém é escusado do descumprimento da lei, mesmo que alegue desconhecê-la. Entretanto, como conhecer, se não é divulgada?
Quando há descaso, certamente,


Importa  pois que se divulgue,  por exemplo, a  Lei 8.429, de 02 de junho de 1992. Cuida da Improbidade Administrativa, dispondo sobre as sanções aplicáveis ao  agente público, no exercício de mandato, cargo, emprego ou função, na administração direta, indireta ou fundacional, além de definir como e quando sua conduta se traduz em ato com tal definição. Classificando as condutas, aponta a forma de apurá-las e puni-las.

Por tal abrangência,  foi chamada de  BABEL JURÍDICA, já que se compõe de normas de Direito Administrativo, Direito Civil, Direito Processual Civil, Direito Econômico, Direito Penal e de Direito Processual Penal. Principalmente, pelas confusões geradas na redação dos arts. 9º, 10º e 11,  é o que menciona,   em artigo, a Profª Maria do Carmo Leão, (do Curso de Mestrado e Graduação do Centro de Ciências Jurídicas - Universidade Federal da Paraíba).

        A palavra probidade é originária  do latim “probitas”, do radical “probus” cujo significado é crescer retilíneo,  era aplicada às plantas. Usada depois, em sentido moral, dá origem a provo, reprovo, aprovo e outros cognatos. Significa a atitude de respeito total aos bens e direitos alheios e constitui ponto essencial para a integridade do caráter. O homem probo, define Fernando Bastos de Ávila, S.J[1],  na sua Pequena Enciclopédia de Moral e Civismo, “é firme nas promessas que faz, é sincero com os outros, incapaz de se aproveitar da ignorância ou fraqueza alheia. No campo administrativo ou em sentido profissional, traduz a idéia de honestidade e competência no exercício de uma função social”.

tudo falta para a educação. 
        Da conduta  inversa do que acima foi dito, temos improbidade administrativa cujo  sujeito ativo será,  portanto,  aquele que estiver investido de função pública, seja qual for a forma que a ela tiver sido guindado, a condição da qual se revista, em caráter temporário ou efetivo e  que importe no gerenciamento, na destinação ou aplicação dos valores, bens e serviços cuja gestão tenha como finalidade, o público. Admite co-autoria que por sua vez independe da qualidade de quem a tanto se prestar.

        Entende-se, via de conseqüência,  o preceito constitucional esculpido no art. 37: a administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

        O princípio da eficiência adveio ao texto primitivo, pela emenda 19, de 04 de junho de 1998 e pressupõe aquele conjunto de formas ou normas que leve a consecução do máximo em resultado com mínimo em tempo. Acrescentarei ainda, que eficiência se somará à diligência funcional. Pelo princípio da legalidade, todo ato administrativo deve ser precedido de lei, isto é, o administrador tem sua área de ação delimitada por  parâmetros legais. Fora da lei, nada é permitido.  Pelo princípio da impessoalidade lhe são vedados os tratamentos discriminatórios em qualquer de suas manifestações. O princípio da moralidade impõe obediência, não só no que a mesma lei tem de formal, mas  na sua teleologia (conjunto de especulações  aplicadas à noção de finalidade). Quanto à publicidade implica em proibição do sigilo e segredos administrativos, salvo raríssimas hipóteses que envolvam segurança nacional.[2], o que se restringe ao nível federal.

A Improbidade Administrativa se manifesta de três modos: quando importa em enriquecimento ilícito, quando causa prejuízo ao erário, quando atenta contra os princípios da administração pública.

No primeiro caso, se constitui do ato de agente público que aufere qualquer tipo de vantagem patrimonial em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade.

São os contratos super valorizados com empreiteiras, a participação no lucro de empresas contratadas para execução de serviços, uso de instrumentos e máquinas em benefício próprio, recebimento de propinas ou qualquer outro tipo de vantagem.

No segundo, temos o causar prejuízo ao erário, independente de culpa ou dolo, por ação ou omissão, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, mal baratamento ou dilapidação dos bens ou haveres do patrimônio público,  independente da esfera em que se encontre.

Corresponde ao  permitir que alguém integre ao próprio patrimônio, o que é público; à utilização de bens, rendas ou valores incluídos na condição de indisponíveis; às doações mesmo que com fins nobres, tipo educativo;  a disponibilizar de forma pessoal a quem quer que seja o que é exclusivo do patrimônio coletivo e pelo poder público tutelado.

E no terceiro caso, improbidade administrativa  implica no ato que atenta contra os princípios da administração pública, seja por ação ou omissão, violando os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade.

Destacam-se entre estes, o ato proibido em lei, o retardamento, ou não execução de ato de ofício, revelação de segredo necessário para obtenção de um resultado, ilicitude ou fraudação  de concurso público,  além de outros.

As três modalidades seguem-se de incisos, onde as condutas sob sensura, são igualmente tipificadas. 

As penas independem das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica, têm gradação, a critério do juiz,  conforme o resultado do ato ímprobo e se traduzem  em  perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, ressarcimento integral do dano, quando houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a dez anos, pagamento de multa civil de até três vezes o valor do acréscimo patrimonial, proibição de contratar com o Poder Público,  receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, por até dez anos.

Como forma preventiva ou inibidora, nem sempre eficiente, a lei prevê a declaração de bens dos agentes que se investem de função pública, com obrigação de atualização anual que se pode dar mediante a que é apresentada à receita federal.

Faculta a qualquer pessoa o direito de representação sobre fato que deva ser investigado e que será reduzida a termo, se já não vier escrita. A autoridade administrativa poderá processar ou rejeitar tal representação. Em caso de fundados indícios de responsabilidade, poderá ainda, ser representado ao Ministério Público, no sentido de que requeira ao juízo competente,  o seqüestro dos bens do indiciado.

A pessoa jurídica interessada concorre com o Ministério Público, no direito de propor, no prazo de trinta dias da efetivação da medida cautelar, a ação principal.

Sob pena de nulidade, a intervenção do Ministério Público se impõe, como fiscal da lei,  no caso de a pessoa jurídica ser autora. Esta será  chamada a integrar a lide, no caso de o autor ser aquele.

Das ações destinadas a promover as sanções previstas na lei, ocorre prescrição: após cinco anos, do término do mandato de quem o exerce,  de cargo de confiança ou de provimento em comissão; o prazo prescricional é o previsto em lei específica no caso de faltas disciplinares puníveis com demissão a bem do serviço público, nos casos  de emprego ou cargo de provimento efetivo.

Como se vê, temos lei,  mas, a nossa é uma cultura onde o poder econômico continua falando mais alto ou vence pelo grito. A cidadania que precede a democracia é menos invocada que esta e nem sempre exercida. Importaria que o povo se investisse, se travestisse, se necessário, do cidadão que cada um deve ser.

Dispõe de armas imbatíveis mas não as utiliza. Prefere o peixe a saber pescar. Acontece, como escreveu a  Professora Maria do Carmo: “a cultura do favorecimento no nosso país está muito arraigada, da mesma maneira que levou tempo se solidificando, vai levar tempo para ser exterminada. As coisas tomaram um rumo tal, que as pessoas, na sua grande maioria, aceitam com naturalidade a improbidade. A "lei do Gerson" para muitos não é demérito. A coisa pública parece pertencer aos mais espertos, e os que não levam vantagem em tudo são tachados de imbecis”.

Concordo com ela, mas acrescento: não renuncio à esperança de que,   lado a lado com as pessoas que menciona, existam outras tantas que se obstinam em lutar para mudar tudo que está ai. Para fazer valer a legalidade, a impessoalidade, a moralidade, a publicidade e a eficiência, no sentido de que a administração pública possa cumprir sua finalidade e como dita com seus incisos, o art 3º, da Constituição Federal: construamos uma sociedade livre, justa e solidária; seja garantido o desenvolvimento nacional (sustentável); erradiquemos a pobreza e a marginalização, reduzindo as desigualdades sociais e regionais e promovendo o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Marlussse Pestana Daher
é Promotora de Justiça no ES




[1] FENAME – Fundação Nacional de Material Escolar – Ministério de Educação e Cultura - 1972
[2] Hely Lopes Meirelles