Isa, a Florzinha do Campo
Concorrente do Concurso Literário Elza Cunha
Foi ele, um imponente faisão, que
sobrevoando uma fazenda, deixou cair de seu bico a semente de uma flor. Jogada
sobre a terra, essa semente recebeu da natureza todos os nutrientes necessários
para sua sobrevivência e assim ela germinou. Primeiro o caule, verde e
vigoroso, depois as folhas, leves e macias, o gracioso botão, e ao término de
sua metamorfose ela desabrochou com toda benemerência, expondo suas pétalas
brancas e douradas delicadamente ao mundo, enriquecendo a flora num espetáculo
solitário e exalando sua doce e suave fragrância. A flor de Quimera, campestre,
singela, magnífica em sua essência, nasceu ao acaso e estava pronta para viver
como tantas outras flores, a sua breve jornada no universo, quando subitamente
foi arrancada do solo por uma garotinha que por ali passava. A menina levou a
flor para sua casa onde lá ofertou carinhosamente a sua avó que repousava no
leito, enferma. Tão doente estava sua avó que a princípio nenhuma importância
deu a flor, fazendo a neta depositá-la em um pequeno vaso que deixou ao lado de
sua cama. Ao anoitecer a flor de Quimera, esquecida no vaso, exalou o seu
perfume pelo quarto e seu agradável aroma fez despertar a velha senhora
convalescente. Nunca em sua vida havia ela inalado um cheiro tão inebriante
como aquele e isso atiçou sua curiosidade de saber de onde efluía. Com grande
dificuldade, em sua debilidade física, encostou-se a cabeceira da cama e viu
que o cheiro emanava dela, da flor de Quimera, então levou as mãos tremulas até
o vaso com a flor e a pegou, cheirando-a e não se lembrando de ter visto uma
como aquela em lugar algum. De modo tranquilo, ela tocou com as pontas dos
dedos, levemente as suas delicadas pétalas, sentindo dentro de si algo novo e
diferente, depois segurou a flor contra o peito tendo naquele instante a sensação
de que aquela flor tinha algo especial e no ímpeto ela quis se levantar para ir
até a janela, onde a claridade da lua a deixaria admirar a flor com maior
nitidez. Vagarosamente e com tamanho esforço, ela se colocou em pé, dando
lentos passos ela caminhou em direção à janela e lá chegando se prostrou a
admirar a bela flor. Uma luz tênue que vinha da lua iluminou a flor fazendo
suas pétalas brilharem com intensidade, deixando a velha senhora, com a leve
impressão de que aquela flor era de alguma forma uma flor mágica, talvez com
poderes curativos, pensou, mas aquela flor era simplesmente, apenas uma flor. E
olhando fixamente para ela lhe sobreveio uma vontade incontrolável de conversar
com a flor.
- Um dia Também fui jovem e bonita como
você. - Disse num sopro de voz a velha senhora de rosto pálido, enrugado,
cansado, e como se a flor pudesse lhe ouvir, ela pegou seu antigo álbum de
fotografias e o abriu passando a contar para a flor a história de sua vida. Ria
e chorava a pobre senhora, compartilhando ali com a flor, emoções profundas
provindas de suas recordações. Sentia a velha senhora, um imensurável bem estar
ao lado da flor, como se ela lhe fosse uma amiga querida, com quem pudesse desabafar.
E tão envolvida estava com a flor, que ao final de sua emocionante narrativa,
ela sussurrou uma canção em um acalanto, deixando-se levar pela melodia,
dançando pelo quarto, com a flor, em suaves rodopios. Era um momento único para
aquela senhora que se sentindo viva, serena, cheia de esperança e quase curada
de sua enfermidade nem percebeu o passar das horas e quando deu por si já vinha
o alvorecer, então decidiu voltar para sua cama, beijando delicadamente a flor
e colocando-a no criado mudo de sua cama adormecendo logo em seguida, repleta
de contentamento.
E sucedeu-se que enquanto a velha senhora
adormecia em seu leito, a bela flor de Quimera que até aquele momento
mantinha-se estática a agraciar a velha senhora com sua bela presença, começou
do mundo a se despedir, murchando repentinamente e deixando cair as suas
pétalas, lentamente, uma a uma. O ciclo da vida em seu curso natural havia
chegado ao fim para ela, e a flor de Quimera desprendendo sua ultima pétala,
como se fosse seu último suspiro, disse adeus ao mundo, terminando ali sua
graciosa passagem.
No outro dia, quando a velha senhora
despertou, sentia-se cheia de saúde. Sua face antes pálida estava agora corada
dando-lhe uma feição saudável, as forças lhe haviam voltado e sorria, como há
muito tempo não fazia. Sua neta ao ver a avó ficou impressionada com sua
recuperação.
-Foi essa flor quem me curou! - Afirmava a
avó para a neta, procurando pela flor de Quimera ao lado de sua cama. Mas notou
que a flor não estava mais lá. Em seu lugar havia um viçoso girassol que a neta
colocou, jogando fora a flor de Quimera já perecida. Ao saber que a flor havia
morrido a velha senhora entristeceu. Havia ela nutrido pela flor um profundo
apreço e desejava tê-la novamente junto a si, nem que fosse apenas por alguns
segundos, mas, contudo, sabia ela que isso não seria possível. No entanto,
crente de que a flor de Quimera havia lhe restabelecido a saúde e sentindo por
ela um profundo sentimento de gratidão, ela passou a procurar incansavelmente por
uma flor como ela, percorrendo, junto com a neta, a sua imensa fazenda, procurando
em cada lugar a presença de uma flor semelhante, porém o imponente faisão nunca
mais sobrevoou a fazenda para deixar cair de seu bico a semente de uma flor
igual a esta e a velha senhora não encontrou a flor que tanto procurava. Então
voltou para casa, onde ela compreendeu finalmente, que na efemeridade da vida há
coisas insubstituíveis, coisas que nos chegam num momento de um instante, nos
falam ao coração, nas mais diversas linguagens, e depois se vão, tornando-se
inesquecíveis em nossas lembranças, para sempre, como ela, a flor de Quimera.
Nota: Tivemos ótimos participantes no concurso.