segunda-feira, 7 de março de 2016

SIMPLESMENTE MULHER

Jô Drumond

No início o século XX, época em que ainda se cultuava a mulher com o epíteto de “rainha do lar”, ela era, na realidade, uma rainha-escrava, prisioneira de uma fortaleza calcada no concreto da moralidade e erguida com pilares de preconceitos. Aquelas que não se aclimatavam em seus domínios, fossem elas, mães, esposas ou filhas, e que ousavam se evadir, faziam-no qual borboleta triste abatida à saída do casulo, mesmo antes de criar asas. Preparadas desde tenra idade para atuar apenas dentro de seus domínios, mesmo que fossem detentoras de grandes pendores artísticos, franziam-se às minudências do cotidiano.

Quando uma delas se revoltava ou caía em tentações amorosas, era normalmente expulsa de casa, para não desonrar a família. Tais rainhas ou futuras rainhas tão logo abandonavam seus reinos, vislumbravam diante de si apenas duas vias: a da virtude, nos escuros claustros de um convento, ou a do pecado, nas brilhantes alcovas de um prostíbulo. Outros eventuais caminhos eram por demais temerosos, como os da personagem Dolores, do livro Esmaltes e camafeus, de Guilly Furtado. Ao perambular pelas invernosas ruas de Madri com um bebê pendurado no seio murcho, morreu de inanição e de frio, à porta de uma catedral, sem que nenhuma alma caridosa dela se apiedasse. Dolores não teve a mesma ventura de Georges Sand, que embora vivesse em Paris, considerada na época como capital cultural do mundo, viu-se obrigada a se trajar como homem, para frequentar os redutos literários e publicar suas obras sob um pseudônimo masculino.

Nesse contexto mundial, as filhas da burguesia brasileira, que ousavam romper a viseira doméstica e os dogmas religiosos, como fez Guilhermina Tesch Furtado, deveriam ser combatidas ou, pelo menos, contidas.

Foi o que ocorreu com a livre-pensadora capixaba, que conseguiu se destacar no meio intelectual e jornalístico paraense e transpor, em 1913, os “umbrais do templo dos imortais”, a Academia de Letras do Pará, reduto estritamente masculino. No ano seguinte, aos 24 anos, conseguiu publicar um livro de contos, por uma editora francesa (Garnier), e lançou seu alter ego aos quatro ventos, sob a máscara de personagens e narradores. Deixou registradas, em prosa-poética, idéias revolucionárias a respeito da condição da mulher, da infidelidade conjugal, dos anseios sexuais femininos, dos problemas das classes menos privilegiadas, das incongruências religiosas e dos desmandos políticos. No mesmo ano da publicação dessa obra casou-se com um militar (que certamente não havia lido o livro antes do matrimônio), e mudou-se para o Rio de Janeiro. Assim findou a carreira de uma mulher que poderia ter sido grande escritora. Talvez a circulação desse livro tenha sido impedida. Sabe-se que nem mesmo seus familiares têm o privilégio de possuir um exemplar de tal edição. Um único foi encontrado na Biblioteca Nacional, cuja edição fac símile foi providenciada pela Prefeitura de Vitória (ES), em 2011.

Segundo o pensamento medieval, o ser humano, tal qual um tonel de vinho, deve ter válvulas de escape para não explodir, devido à fermentação. Por conseguinte, no medievo, o clero permitia festividades profanas paralelamente às religiosas.

Uma válvula foi concedia à Guilly; a de publicar eventualmente suas crônicas na revista Vida Capichaba, criada por um primo seu. Não se vê nessas esparsas publicações a mesma verve da autora do livro. Até os 90 anos, foi escritora de um só livro, e viveu recuada, no seio da doxa, protegida contra os paradoxos do mundo, provavelmente sem grandes tristezas, sem grandes alegrias, mas com muito tédio, tema esse recorrente em seus contos. Como diria Cecília Meireles não foi alegre, nem foi triste: foi poeta.

Obs. A pioneira focalizada na crônica, Guilly Furtado, teve sua obra analisada por mim  e publicada em 2014, sob o título “Esmaltes de camafeus: retratos de mulher



DIA DAS MULHERES, O ESCAMBAU!


Bom dia, querida leitora! A vida, apesar dos últimos terríveis e constantes acontecimentos, continua fluindo a toda velocidade. Tal qual a janela de uma locomotiva em movimento, onde as paisagens passam sucessivas, sucedem as
Shila sorri no dia de sua posse na Amaletras
  efemérides e chegamos a março.

Mês das mulheres!

Chegou o mês de sermos torturadas pelos chavões, clichês e tudo quanto é m* que esta sociedade machista e hipócrita cultua como imagem de mulher ideal.
No cardápio haverá o de sempre; rosas vermelhas distribuídas nas lojas, cartazes com mulheres de meia idade satisfeitas por terem ganhado uma bugiganga qualquer- afinal, dizem que nossa felicidade é consumir, poesia “água com açúcar” com cunho machista exaltando a maternidade, homenagens oportunistas em vários lugares, muitas frases propalando  como somos doces e meigas,  femininas, lindas, delicadas, santinhas, mães perfeitas- até porque ser mãe é a nossa finalidade e a mulher que não pensa assim tem algo de muito errado! Será o mesmo blá, blá, blá chatíssimo, conservador, sem imaginação e cruel! Tem objetivo de invisibilizar a mulher cidadã, autônoma, dona de suas escolhas, independente, multi e diversa...

O que acontece é que é preciso vender. Vender tudo e depois continuar vendendo mais. Não são somente objetos e produtos, é preciso vender a idéia de uma mulher frágil, consumista, imbecilizada, adocicada e alienada. Essa idéia está embutida nas ações da sociedade brasileira cujo índice de mortalidade feminina é assustadoramente alto. Essa idéia vagueia nos lares onde as meninas são ensinadas a servirem os homens da casa e onde mães que trabalham fora cuidam sozinhas dos afazeres domésticos até porque esse serviço é destinado somente às mulheres. Idéia que habita as ruas e onde é comum uma mulher ouvir toda sorte de despautérios ao passar por um grupo de homens...  Se for estuprada, com certeza, fez por merecer. Se tivesse em casa quieta isso não teria acontecido, alguns dizem. Entretanto são os mais próximos que abusam, molestam. Essa idéia cria uma estética, que dá vida a códigos de conduta, apadrinha estereótipos, inventa linguagens e essas linguagens se metamorfoseiam em arte.

Como não se incomodar com a Globeleza? Todo ano uma mulher negra e nua promove o carnaval brasileiro. Sempre negra e sempre nua. E eu pergunto, qual é a mercadoria ai?

Luciano Huck, pessoa que tem até trabalho social, faz da seleção de passista que promove um show de perguntas constrangedoras e desrespeito à mulher e todo mundo acha tudo engraçado!

E essa novela Regra do Jogo? E sim, quando eu quero assisto, leio, bisbilhoto tudo... Tudo mesmo! Esse é o meu mundo e sabendo que tudo posso, vejo tudo e depois escolho o que me convêm.

Voltando a novela que é assistida por milhões de família de todas as classes sociais e que serve de modelo... Prestem atenção às personagens femininas... Não há uma personagem com personalidade autônoma. Na casa senhorial todas as gerações de mulheres são submissas. Até a que tem dupla personalidade, somando as duas personalidades não dá uma opinião própria.

Todas elas se deixam enganar pelos canalhas o tempo todo e das formas menos criveis. Estão sempre servindo, correndo, chorando ou tem ataques histéricos. Não há em nenhum núcleo nenhuma mulher independente. É lamentável!
 Até mesmo mulheres que deveriam se confrontar diante das convenções; a ex-prostituta dona do morro e bandida com todo sex appeal têm como sonho dourado casarem-se de véu e grinalda.

Não sugiro que a Globo seja baluarte da Arte Brasileira, longe disso. Mas ainda é o que maioria tem acesso, infelizmente e isso é preciso ser considerado.

Mas para piorar, em 2015, aqui na Terra Brasilis, pelas bancadas religiosas e com o respaldo das bancadas evangélicas e católica, deputados de ao menos oito Estados retiraram dos Planos Estaduais de Educação referências a identidade de gênero, diversidade e orientação sexual. Esses planos traçam diretrizes para o ensino nos próximos dez anos. Segundo a Folha, dos 13 Estados onde já foi aprovado, 8 eliminaram trechos que faziam referências à discussão de gênero, como Pernambuco, Espírito Santo, Paraná e Distrito Federal.

A situação é séria, difícil e é preciso que as mulheres se preparem e se informem. Então, não me dêem flores, leve-as aos cemitérios e as entreguem às mulheres e meninas mortas por essa sociedade machista.


É isso que penso e declaro.