sábado, 13 de fevereiro de 2016

COLCHA DE CROCHÊ


A colcha de crochê ornamentando a cama do quarto de casal da nossa casa era um deliciar-se para mamãe. Naquele tempo de vacas muito magras, praticamente, era um seu adorno doméstico quase único, o pouco que ela tinha e mexia com seus atributos femininos.  No restante, nas nossas camas, sobrepujavam as colchas de chitão, aquele tecido rústico sempre muito florido, visto também em saias franzidas das chamadas de dois babados, de pessoas mais exuberantes, (poupei dizer extravagantes).

Em cima, a dimensão do colchão; dos lados, generosos babados franzidos que faziam bela vista. Se a cama fosse encostada na parece, poupava pano, o babado ficava só do lado em que podia ser visto.

Chitão foi até porta improvisada de guarda-roupa improvisado no nosso quarto. Abdo, - que coincidentemente com esta escrita, faz hoje um ano que em muita saudade nos deixou - uma vez, acabou tocando fogo na cortina-porta ao brincar com uma vela. Que confusão! Ainda bem que papai que devia estar por perto, debelou a chama em tempo.

Lembro-me bem do modo como mamãe falava da colcha de crochê, ora exaltando a sua, ora falando de outras, vistas com outros desenhos, a maioria florais, algumas formavam tais flores  em relevo, colocadas  por cima, sempre artisticamente elaborados por mãos agílimas, exímias. O resultado era incrível e pensar que para tanto, bastavam fios e uma agulha. 

Vovó Rachid, que veio lá de Beirute, no Líbano, até devido a um problema de inchaço que tinha em uma perna, nunca curada, vivia mais sentada, ocupou-se por muitos anos, manuseando com maestria aquele pequeno filete de metal com uma ponta estrategicamente preparada, produzindo trabalhos maravilhosos com os quais presenteava filhas e noras. Acho que nunca vendeu nenhuma.

O crochê teve seu tempo áureo por volta dos anos até 60. Até vestidos eram feitos. Concorria com o tricot.

Há umas três décadas talvez, andei lá pelo Nordeste e, ou em Petrolina, ou Juazeiro, encantei-me com uma colcha de crochê branca e realizei aquele sonho inconsciente ancorado em mim, comprei uma colcha de crochê branca. Pronto, eu também tinha a minha colcha de crochê! Pesada, não fácil de transporte, um incômodo para quem viaja, mas eu nem percebi.

Mamãe logo se prontificou em preparar o forro de cetim branco usando bordado inglês larguíssimo como babado generoso em toda volta, com exceção da cabeceira, onde o forro é diligentemente destinado a prender-se ao colchão.

Tantas vezes me senti alegre ao forrar minha cama com a colcha de crochê, quedando-me a contemplar o detalhe do cetim que brilha entre os espaços das trancinhas ou dos pontos da arte.

Na verdade, de vez em quando, lembro-me dela e forro com ela a cama, para mudar o visual do quarto, ou por inconsciente nostalgia de um tempo. 


Hoje foi termo de um desses períodos. Santa Mãe de Deus! que trabalho dá dobrar o forro com aquela “babadaria” que não se encaixa, no tamanho certo, para caber no lugar que lhe está reservado. Depois, dobrar a colcha em si. Difícil, ela é mole, acerta aqui, puxa ali, diferencia acolá, só mesmo em cima da cama.


Inconscientemente penso, será que alguém gostaria de ganhar esta colcha de crochê? Ao mesmo tempo me lembro que mesmo solteiros, preferem cama de casal e até porque não pretendo desfazer-me dela, aquieto, não sem antes deixar escapar um misto de suspiro ou lamento: como pesa esta colcha de crochê!


Vitória, 13 de fevereiro de 2016
11:18