quarta-feira, 29 de julho de 2015

OS 102 ANOS DE D. OLINDINA

É o que se denomina irrecusável um convite que lhe chega nos seguintes termos: “você é minha convidada, venha comemorar meus 102 anos de idade”.

Portanto só lhe resta deixar de lado quaisquer outras coisas que possa ter que fazer, arrumar uma pequena mala, enfrentar os mais de duzentos quilômetros que separam São Mateus de Vitória e na hora que foi designada estar presente, na casa respectiva para o aniversário dos 102 anos de D. Olindina.

Assim, cheguei, apresentei os presentes que levei e crendo ter sido reconhecida conversei com ela, cumprimentei as pessoas que também foram levar-lhe carinho e criou-se entre nós um clima de camaradagem comum entre velhos amigos que se encontram.

À certa altura, estando eu sentada a frente dela, chega Rachid, minha irmã que a cumprimenta e faz festa, imediatamente pergunta por mim e sorri ao lhe ser mostrado que eu estava ali e chegara há bem uma meia hora antes.

A festa prosseguiu. Vieram a tona muitas lembranças e cada qual querendo lembrar os fatos antigos, acontecimentos e até a Ladainha, uma festa de Santo Antônio, que S. Djalma, esposo de D. Olindina, fazia sempre, no dia 13 de junho, dando sequência a um costume que também fora adotado por seu pai.

Havia fogueira, batata assada na brasa, alguns foguetes, bombinhas e busca-pés.

Mais uma vez lembrei os bolinhos do café das duas horas. É como se visse hoje, D. Olindina, fritando uns bolinhos para o café da tarde dos filhos. Um tempo atrás, perguntei-lhe de que eram aqueles bolinhos tão gostosos que ela fazia para o café. Primeiro ela riu muito e depois respondeu: “de água e farinha, Marlusse, com um pouco de açúcar e fritos no azeite quente em frigideira.

Pois não é que provoquei-lhe a lembrança e ela,  sorrindo,  contou para as pessoas que estavam perto a história dos bolinhos.

Foi inevitável lembrar aqueles que se foram, mas sem dúvida para mim quem mais estava fazendo falta naquele momento, era Vitorinha.

Vitorinha morou em frente a D. Olindina por bem uns cinquenta anos ou mais. Isto facilitou uma amizade que nunca se estremeceu devido a serem ambas pessoas muito boas que se ajudavam reciprocamente.

Não é que estivesse doente, mas depois de uma queda ficou muito abalada, e na verdade, era frágil pelas muitas pancadas que levou pela vida. Mesmo assim, levada pela filha cheguei a vê-la no mês de abril, entrar na igreja de São Benedito, devoção de sempre, para assistir a Santa Missa.

Uma estranha segunda queda, dentro de sua própria casa, acabou por vir a se constituir em sua causa morte e assim, mudou-se para o lado de lá, mais uma pessoa de todos nós tão querida.

Não compareceu a festa de aniversário de D. Olindina, mas eu creio que bem que deu uma passadinha por lá, já sabia que esse aniversário seria comemorado.

Assim é a vida, uns que chegam outros partem... Em nossa família também já não tem chegado para as habituais visitas a mamãe, nosso querido irmão Abdo. Calou-se mais uma voz entre nós.

Antes dos cem anos, tive oportunidade de indo de carro "dar-lhe uma carona", até a Igreja para a S. Missa dominical. A distância não a inibia, nunca deixou de professar sua fé.

Se quisesse e pudesse falar, quanta coisa D. Olindina nos contaria. Uma vida de trabalho cuidando dos afazeres domésticos, dos filhos e do marido, principalmente, de cultivo de uma horta, onde muitas vezes a acompanhei.

Viver é assim: nascer, crescer, viver em uma família, amar muito, embora pareça que alguns não amem, fazer coisas, complexas  outras muito simples, escovar os dentes, fazer refeições...

E um dia por qualquer causa, os olhos se fecham e não se abrem nunca mais.

Mas D. Olindina está ai, vivinha e comemorando!

quinta-feira, 23 de julho de 2015

DIFICULDADE DE QUEM ESCREVE

Digamos que tenho na literatura uma ocupação. Partilho minhas energias através de duas academias e tenho participado ativamente do que fazem. Entre nós, há uma produção anual “pra ninguém botar defeito”. São textos em todos os gêneros, publicados em jornais,  revistas e na internet.  Entretanto, são poucos os que lograram se firmar como colunistas fixos em “A Gazeta”, por exemplo, ou conseguem chegar ao caderno “Pensar”, que até mudou de cara, mudou seu formato original, exclusivamente produção literária e onde também se nota que outros poucos publicam com bastante frequência, enquanto um bom número atesta não ter a mesma sorte.


Em dois ou três municípios vigora lei de incentivo à cultura,  excelente ajuda, mas que também por razões óbvias não contempla tantos. Por outro lado, mesmo editados, boa parte dos livros pode ficar empilhada em algum lugar na casa do autor, ou na casa do Presidente, tratando-se de academias.

Se vamos às livrarias, lá encontramos muito mais estrangeiros que brasileiros, estes mais prováveis, em se tratando de Fernanda Torres, ou Maitê Proença. Confirma-se que santo da terra não faz milagre.

As pessoas em geral, adoram ganhar seu livro, mas pagar por ele... nem pensar.

Ao lado disto, há a questão do pouquíssimo gosto pela leitura. Num desses passeios solitários pelas ruas do centro de Vitória, dia desses, chamou-me atenção sua desertificação, ao mesmo tempo, a multiplicação de farmácias. Em todos os bairros, elas também surgem imponentes a cada dia,  verdadeira opulência econômica atesta o quanto a população anda doente. Uma das causas, digo, sem receio de errar é também falta de leitura, leitura que instrui, abastece culturalmente, distrai e deleita, logo, manda para longe o estres.

Há lei que obriga, (coitada da lei), mas a maioria das escolas não conta com bibliotecas, os livros que ganham, segundo depoimento que ouvi, ficam no gabinete da diretora de onde acabam sumindo.

O alunado não tem estímulo para a leitura. Não conhece autores, há os que nunca leram um livro.

Sorteiam-se livros em eventos e nota-se que “todo mundo”  quer ganhar, mas há quem leva  para casa, guarda numa gaveta e pronto.

Atesta-se a generosidade dos autores que têm doado suas obras para escolas, na esperança de que haja proveito. Mas chega a ser doloroso, aliado à renuncia de ler, de prejuízo incalculável, está o não pensar que um livro tem preço não só material, mas equivalente ao longo trabalho que custou ao seu autor.

Nem se olvide que o conteúdo de muitos registra a história a qual a todo povo compete preservar.


O escritor pede ajuda, para produzir e que seu livro seja adquirido e lido. Quem quer ajudar?

terça-feira, 14 de julho de 2015

ERRO MÉDICO

                                                             Publicado em A GAZETA 14/01/2002

        Perda é coisa séria. Maior se de membro ou função, pior, se da vida. Pode ser que alguém venha a ser privado de um dedo, por exemplo, e não dê muita ou nenhuma importância a isto, como pode ser que para uma outra, signifique esconder sempre a mão ou o pé, de modo que ninguém veja.

        Nos últimos anos, a classe médica se transformou em uma das vítimas mais visadas, sendo expressibilíssimo, o número de ações submetidas à apreciação do poder judiciário em busca de reparação de dano pelo que é chamado “erro médico”.

        Como qualquer humano, o médico não esta imune da possibilidade de errar. Mas até dever por isto, responder seja civil, como criminalmente, há uma grande interrogação, cuja resposta não é tão simples.

Suponhamos que uma pessoa submetida a  intervenção cirúrgica, acabe vindo  a ser surpreendida por aquela  "manifestação exagerada na cicatrização  em alguma região do corpo” a que se dá o nome de quelóide.  Não se desconhece que o antiestético possa causar constrangimento; considerar erro médico, no entanto, é temeridade.  Uma mesma pessoa que pode formar quelóide em uma parte do corpo. em outra não acontecerá e com um mesmo cirurgião. A mão que acertou aqui, errou ali, ou aqui houve imperícia e ali não no mesmo dia? Antes se reconheça que se deparou com uma pessoa cujo organismo reúne predisposições que favorecem o surgimento queloidiano.

O cirurgião plástico Benjamim Gomes afirma categoricamente que se trata de lesão reparável mediante, por exemplo, remoção parcial por outra cirurgia e que é curável.

Ele e o Des. Pedro Feu Rosa foram debatedores em um Simpósio Nacional realizado em outubro passado em São Paulo, sob o tema “Cirurgia Plástica, Obrigação de meio”, destinado não só aos especialistas da área, mas também a juristas em geral.

Depois da cirurgia, um acidente qualquer pode modificar todo o curso planejado, pelo que não se imputará ao médico qualquer responsabilidade. Ele como qualquer profissional que se presa, quer ser reconhecido, elogiado, que se diga que fez feito bem feito. 

Já se tem notícia de alguns médicos que começam a evitar paciente de risco, por receio de vir a ser molestado com pedido de indenização. Já pensou se começa a ser freqüente.  A saúde que já é tão sacrificada sofrerá mais ainda.

É necessário que as pessoas tenham consciência e verifiquem o que realmente lhe possa ter acontecido. Tratamento médico consiste em prescrição de medicamentos ou procedimento de cirurgias mediante as quais se venha a colimar o resultado desejado.

A menos que a medicação seja diversa da que deveria ser, ou que o procedimento seja feito de forma incompatível com normas técnicas previamente definidas, ou contrarie recomendações com cuidados prévios, a obrigação devida é de meio e não de resultado.
                                                                       Marlusse Pestana Daher


A GAZETA 14/01/02

ESPANTOS E ENCANTOS


Rubson Marques Rodrigues 

Diga-me, caro filósofo,
por que não se espantou
com a morte trágica do ancião,
figura notável da região?

Por que haveria de me espantar,
se estava encantado
com o nascimento da filha
de uma humilde família?

Então me responda,
por que passou ao largo,
sem esboçar admiração,
pelas folhas verdes do agrião?

É porque estava maravilhado
com a vida que se renova
em uma folha seca jogada
às margens de velha estrada.

Estou mesmo assombrado
por não ter feito comentário
a respeito do trovão ensurdecedor
que a tempestade anunciou!

Arrebatava-me a bonança
que viria calma e serena,
e transformaria raios e ventania
em suave calmaria.

Só você não ovacionou
o discurso empolgante
do homem poderoso e culto
que tem riqueza de vulto.


Desculpe-me, caro amigo,
estava muito concentrado
no sorriso de um menino
cujo pai ganha salário mínimo.


Você é muito esquisito,
não tem os pés na terra,
de nada anormal se admira
e nas coisas raras nem se mira.


Espantar do incomum é normal,
ele tem em si um encanto natural,
mais vale se espantar do que é comum,
pois traz em si um encanto incomum.
Como se vê, meu caro amigo,
espanto e encanto movem o mundo:
O espanto é movido pela aparência,
e o encanto, pela essência.


O homem traz dentro de si
a capacidade de se espantar,
mas se tem um deus dentro de si
ele é capaz de se encantar.



quinta-feira, 2 de julho de 2015

O CENTRO MORREU?




Av. Jerônimo Monteiro
Na última quarta-feira, ontem, 1 de julho,  decidi fazer uma caminhada a pé, pelo centro de Vitória. Tinha o propósito de rever aquelas pequenas multidões as quais nos habituamos encontrar o que sempre me propiciou uma visão ou aspecto do que é a vida, de como caminha a humanidade. Uns, imersos nos seus pensamentos caminham com passos mais céleres, têm onde devem chegar e no horário aprazado. 

Outros, não caminham simplesmente, estão ocupados, mas não premidos pelo tempo até chegam a parar para uma conversinha com algum conhecido encontrado.  Outros caminham sem direção, não têm destino definido, a procura de emprego, quem sabe.
Não tive dificuldade para chegar ao outro lado da rua, caminhava pela calçada da Fafi, o sinal fechou e fiz calmamente a travessia, ninguém disputou comigo chegar primeiro do lado de lá.

Na  Jerônimo Monteiro, eram poucos os carros e muito menos a gente. Perto da escadaria, um vendedor me oferece água-de-coco, natural ou gelada, recuso, não me pareceu bastante limpo seu equipamento, apesar de ter sede.
Em frente ao Palácio Anchieta
Adentro a Barão de Itapemirim, toda para mim e mais umas duas ou três pessoas que passavam por lá. Quase perto da Livraria Paulinas reparei que a loja do lado, estava fechada e então volto alguns passos para ter certeza: naquele correr, onde havia lojas de móveis, eletrodomésticos, de enxovais e móveis para bebê todas cerraram suas portas. Curioso que exatamente no mesmo momento, tendo compreendido a constatação que eu fazia, um senhor comenta comigo o fechamento do comércio.

Entrei na livraria, esta mantém-se arrumada e atraente. A loja seguinte também está fechada, exibindo uma vidraça cheia de poeira e móveis jogados de qualquer jeito no seu interior. A sapataria da esquina faz ofertas, mas ninguém estava lá dentro para comprar.

Meu Deus, a calçada do imponente Teatro Carlos Gomes, aumentou seu ser galeria de ambulantes. É a imagem perfeita de uma feira popular. A doceira faz ali mesmo as cocadas que vende. Acrescenta-lhe propriedade, a predominância do amarelo ouro que exibe a mexerica polcam cuja produção tudo indica foi abundante este ano.  

Os bancos da praça estão vazios, seus frequentadores ou provavelmente, já empreenderam volta à casa do Pai, ou já não sentem nenhum atrativo pelo espaço, embora a brisa do mar continue soprando, tangendo as folhas das preservadas árvores seculares. Até na calçada, onde geralmente se posiciona a viatura policial já tem camelô que só fala português, por monossílabos...

Ninguém sobe nem desce pela escada que chega atrás da Catedral.

Está lá a Escelsa e ao invés, dentro dela, filas e mais filas. Ai a coisa  fica feia para a pobre principalmente ou gente usuária da cada dia mais cara energia elétrica.
Escadaria Maria Ortiz
O casarão antigo ao lado, início da subida pela Duque de Caxias, continua abandonado, não se tornou sede do Patrimônio Histórico Nacional, como alguém me informou que viria a ser, quando o pleiteei para sede da ‘Academia Feminina espírito-santense de Letras’. E olha que já se passaram mais de dez anos.

Estou novamente na Jerônimo Monteiro, agora mais ao centro. Não vi mais o ponto de ônibus, não é preciso caminhar em “zig zag” desviando-se de quem vai e de quem vem, a calçada está vazia. Nossa... as lojas estão horríveis. As roupas quase amontoadas na amostra, os calçados de qualquer jeito, tudo revela péssima qualidade. Não há arrumação. Ainda existem as vitrines, mas muito deterioradas, sem luzes... Até aquela loja (de grande cadeia) em frente ao correio (no sinal) tem estoque reduzido e está em liquidação.

Conferi, o relógio da Praça Oito trabalha com precisão marcando o tempo. Atravesso a rua e empreendo volta pela Princesa Isabel, onde a  desolação é a mesma. Única imponência era daquele homem fardado de campanha, com o amigo fiel que o acompanha onde quer que vá, já o vi outras vezes por ai.

O Banco do Brasil da Praça Pio XII parece que fazendo mais uma das tantas reformas... Sigo até o AMES, onde deixei meu carro, que pego e volto para casa, carregando esses pensamentos e outros que não entraram neste enredo.

No norte do Estado, existe uma cidade e nela um bairro na parte da baixa onde por perto corre um rio de águas mansas... Teve seu apogeu, mas agora virou motivo de constantes protestos de moradores nostálgicos que reivindicam o que contextualmente se sabe que nos termos que pensam, é impossível dar. Recuso-me admitir, mas pode ser o que acabará acontecendo, guardadas as devidas proporções, com o centro da cidade sol, de um céu sempre azul. É uma pena.

  Vitória, 2 de julho de 2015 - 14:51