terça-feira, 25 de março de 2014

POLÍTICA E POLITICAGEM


É certo que, segundo enquete recente, a maioria do povo se disse favorável à redução da
Salvador Bonomo 
maioridade penal. Porém, acho que há, aí, mais emoção que razão: efeito da grande violência que grassa o País e da sua simplicidade. Se o Congresso vier a reduzir a maioridade penal, que é, hoje, de 18 anos, tal proceder encartará ato ilegal ou, no mínimo, temerário, pois a lei, por si só, não combate a violência.

Senão, vejamos.

Quando se editou a Lei de Execução Penal (nº 7.210|84), afirmou-se, uníssona e enfaticamente, que, se cumprida, resolvidos seriam os graves problemas já reinantes no nosso Sistema Carcerário. Ledo engano! Por falta de políticas públicas adequadas e gestores públicos competentes e honestos, o referido Sistema se transformou no oitavo círculo do Inferno de Dante Alighieri (Divina Comédia), o que reconhecera o próprio Ministro da Justiça, ao dizer que preferiria a morte a ser preso nele. Resumo: ineficiência do poder público!

O mesmo fracasso, pelas mesmas razões, ocorreu com o Estatuto da Criança e do Adolescente. Aqui, em regra, quando o Adolescente se conflita com a lei, o Promotor finge que propõe ao Juiz que lhe aplique medida socioeducativa, o Juiz finge que a aplica, o Adolescente finge que a cumpre e o Executivo finge que fiscaliza o seu cumprimento. Quando internado, o Adolescente, em regra, é tratado como os presos adultos, pelo que, há muito, o Internato, também, já virou o oitavo círculo do Inferno de Dante: escola de criminalidade. Síntese: ineficiência do poder público!

Em virtude da histórica e incontestável ineficiência do poder público, inevitável será, também, o fracasso na execução do Estatuto dos Idosos, pois, para a efetivação dos seus direitos, só se vislumbram, até aqui, medidas meramente paliativas!

Quando da informatização dos serviços públicos - em particular do Judiciário – pregou-se, à saciedade, que, com tal inovação tecnológica, sanada seria a história e crônica morosidade da Justiça, pois, há quase um século, fora, incisivamente, denunciada por Ruy Barbosa (“Oração aos Moços”): “Justiça atrasada não é justiça; senão injustiça qualificada e manifesta”.

Ledo engano! 

É assustador saber que, segundo dados estatísticos, apenas 10% dos crimes de homicídio, praticados por adultos, são apurados no País. Logo, 90% deles encartam impunidade! Daí a pergunta: não seria mais lógico zerarmos a impunidade dos adultos, antes de criminalizarmos os Adolescentes?

Sendo público e notório que enorme é a influência das drogas na criminalidade, inclusive envolvendo grande número de menores, não seria mais lógico que zerássemos o tráfico, antes de, ilegal e temerariamente, criminalizarmos os Adolescentes? Ou é melhor continuarmos a “enxugar gelo”, com a adoção da inconsequente e desgastada ideia de que as leis agravadas, por si só, são capazes de debelar a criminalidade? Ora, se assim fosse, não haveria crime, onde vigora a pena de morte!

É preciso que o Poder Legislativo, numeroso, oneroso, ineficiente e inapto, seja submetido a profundas modificações para que exerça, efetivamente, as suas reais funções: legislar e fiscalizar, sem “o toma lá dá cá”.

É necessário que o Poder Executivo, inchado, perdulário, ineficiente e oneroso, sofra, também, profundas mudanças para executar, a contento, as suas verdadeiras funções: ofertar, em tempo hábil, bons serviços à população, excluindo, de uma vez por todas, a politicagem do “pão e circo”.

É imperioso, também, que o Poder Judiciário, moroso, oneroso e ineficiente, sofra profundas mutações para que, especialmente expulsando a morosidade e eliminando a impunidade, distribua, em tempo razoável, a verdadeira Justiça, antes que se criminalizem os Adolescentes.

Na pretendida redução da maioridade penal para criminalizar os Adolescentes entre 16 e 18 anos, vislumbro um só fundamento: o obscurantismo retrógrado. Ao passo que, sob a ótica da razão, vislumbro o psicológico, o biopsicológico, o político, o econômico, o social, o cultural e o jurídico.

Relativamente ao fundamento jurídico, sustento que é inadmissível a redução da maioridade penal dos Adolescentes de 18 anos (inimputáveis: art. 228 da CF|88), pois tal fator encerra direito e garantia individuais (art. 5º, § 2º, da CF|88), que, por encartar cláusula pétrea (art. 60. § 4º, da CF|88), não pode ser abolido, senão por uma nova Constituinte.

Relativamente à inimputabilidade dos menores de 18 anos, prevê o artigo 228 da CF|88:São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial.”
Assegurando a tais Adolescentes direito e garantia individuais, assim reza o § 2° do art. 5º da CF|88: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.”
Por seu turno, estabelece o inciso IV do § 4º do art. 60 da CF|88 que “Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: IV – os direitos e garantias individuais”.
Mas, infelizmente, sou compelido a afirmar que, no Brasil, não se faz Política na acepção própria do termo, que, sendo uma ciência, tem como escopo a promoção do bem-estar da população. Faz-se, isto sim, Politicagem, que é a sua negação, pois atenta contra o mais importante princípio constitucional, que é o da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III, da CF|88).

Concluindo, afirmo que, se o Congresso Nacional vier a reduzir a maioridade penal dos Adolescentes, agirá ilegal e temerariamente, em virtude da histórica ineficiência do poder público, pois, com muita frequência, tem sido comandado por gestores incompetentes e desonestos, em razão do que têm espancado, de morte, os Princípios Constitucionais da Legalidade, Moralidade e Eficiência!

Salvador Bonomo.
Ex-Deputado Estadual e Promotor de Justiça aposentado.
Vitória, ES, 25.03.2014.