quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

A MULHER QUE CATAVA FLORES



 Dona Maria Tatagiba,  virtuosa senhora  que viveu em São José 

 Seu nome era Maria Tatagiba. Usava um véu preto de renda grossa sobre os cabelos brancos esfarelados e embaraçados. Passava o dia no árduo trabalho de colher flores e catar mudas de plantas diversas no entorno da pacata cidade.
Ninguém ao certo, sabia a finalidade de tantos ramalhetes de flores e da grande quantidade de mudas diversas. Suas mãos eram ágeis para apanhar as mais belas flores em tons diversificados. Ia formando lindas braçadas de flores. Todas catadas dos jardins alheios.
Aos poucos, todos os moradores da pequena cidade percebiam que Dona Maria Tatagiba apanhava as flores coloridas e perfumadas e depositava-as bem arrumadas, em jarras com água fresca e límpida nos altares das diversas igrejas. As mudas de flores eram distribuídas para quem primeiro as elogiasse em seus braços enrugados.
Em alguns dias, certamente diferenciados, flores aveludadas, macias e cheirosas iam enfeitar alguns túmulos no cemitério local. Era rotina na vida misteriosa dessa velhinha simpática, catar nos quintais vizinhos e muros alheios as mais belas flores e suas mudas, aparentemente fresquinhas. No quintal de sua humilde casa era enorme o acúmulo de plantio de flores.
As noites eram sempre seguidas ou de muito sono ou de rezas no velho rosário de contas de madeira já envelhecidas e desgastadas pelo vasto tempo de uso. Ela imaginava-se rodeada por imenso jardim de flores!
Em toda cidade montanhosa todos se acostumaram com a velha senhora, as pessoas iam e vinham, apressadas, em suas rotinas corriqueiras, ninguém mais a observava. Assim, longos anos de vida teve Dona Maria, catando flores e mudas diversas, a enfeitar os altares das igrejas de todas as religiões, a depositar carinhosamente nos túmulos alheios flores com pingos do sereno da noite e a distribuir sorridente e feliz, as mudas catadas dos quintais da cidade entre montanhas e flores.
A vida foi passando... Décadas e mais décadas ocorreram naquele povoado feliz, hospitaleiro e rodeado de flores encantadas e montanhas azuladas entre rochas centenárias herdadas de “São José”, o padroeiro da cidade. Dona Maria viveu catando flores por mais cem anos!
As crianças alegravam-se com a velhinha de vestido preto e coberta com o véu negro de renda grossa, carregando as braçadas de flores perfumadas, com seu rosário de longas contas pendurado na cintura do vestido. Ela era misteriosamente feliz e a todos encantava!
Certa manhã coberta pelo cântico dos canários soltos entre os “eucaliptos” da cidade, Dona Maria não mais apareceu para catar flores alheias, nem enfeitar altares e túmulos, nem ao menos trazer alegria à garotada que corria atrás dela, em algazarra, rindo e enfeitando as ruas de pedras antigas do povoado. Reinava um triste silêncio sem a velhinha simpática que sobrevivia feliz, catando flores, distribuindo amor e felicidade. Ela havia morrido entre ramalhetes de flores em seu pequeno quarto, solitária. Soube-se que ao tentar catar flores em um muro alto, teve uma súbita queda e ausentou-se por um longo tempo enquanto era cuidada por uma parenta zelosa.
Sabe-se que ela é de uma tradicional família, mas não se sabe do mistério que envolveu sua caminhada vivida aqui no planeta terra. Seu velório foi emocionante! O caixão foi coberto de flores de todas as cores, qualidades diversas, todas trazidas pelas crianças que as catavam dos quintais alheios. Preces e muitas preces... As pessoas de diversas religiões vieram dar o último adeus à mulher que ornava de rosas os altares silenciosos.
Passaram-se os anos... Ninguém mais teve seu jardim furtado, nem se vê mais rosário longo de contas grandes. As flores permanecem vivas e coloridas. Porém, há na cidade um grande vazio, uma ausência de perfume de flores exalando pelas ruas de pedras antigas. As crianças por certo, estão nascendo e crescendo mais infelizes, pois não conheceram como as de aurora, a mulher que roubava flores.
Dona Maria Tatagiba jaz num túmulo com flores secas ao sol das montanhas, pois todas estão secas pelo tempo, como secas e tristes estão as ruas e as vidas das pessoas que  deixam perpetuar nas almas uma angustia sem esperanças e sem as loucuras essenciais da VIDA!
A cidade interiorana necessita de suas personagens misteriosas. as que compõem o cenário típico e obviamente cultuam a história de sua gente. Hoje, os fiéis moradores (sem rosários, preces e furtos de rosas) prosseguem com suas rotinas monótonas sem mistérios pelas ruas, sem perspectivas de sonhos, oucuras e liberdade!