domingo, 15 de dezembro de 2013

DIANTE DE DEUS E DOS HOMENS

Do Programa
5 minutos com Maria.
Velas do Advento - Acende-se a terceira.

Entramos na terceira semana do tempo do advento, há 2013 anos, portanto, do dia em que Jesus nasceu.

No Evangelho sobre o qual refletimos na liturgia de hoje, temos os sinais mais concretos da realidade naquele tempo em que os fatos se deram e que ainda é exatamente, a mesma hoje.  Está, como se diz, senão dentro da nossa casa, do lado de fora da porta, no máximo.

Fala do pobre, personalidade recorrente na pregação de Jesus, o cego, o surdo e o coxo. São exemplos de um mundo de gente excluída e esquecida. Observa o  voltar a andar do coxo e o voltar a ouvir do surdo como causas de alegria par o discípulo de Jesus.

Na verdade, essas são mais que curas de deficiências do corpo, são curas da alma, libertação de alguma escravidão em consequência do pecado.  

Muitas pessoas recebem o batismo, mas não vivem em conformidade com as normas que a vida tem pelo batismo. O reflexo será evidente na prática, mãos que enfraquecem pela inação, joelhos debilitados porque não se curvam, o reflexo numa comunidade que não vive como missionária, que não atende ao apelo de Jesus: ide e fazei discípulos meus todos os povos.

Advento tempo de conversão, de voltar nossos olhares para um menino que nasce, assimilar toda história de amor que o presépio encerra. Para tanto, é bom que nos tornemos  pequenos na vida espiritual também, para depois ir crescendo como Ele, em sabedoria e graça, diante de Deus e dos homens.



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O SIGNIFICADO DE MANDELA

PARA O FUTURO DO RESTO DO MUNDO

Leonardo Boff


Nelson Mandela, com sua morte, mergulhou no inconsciente coletivo da humanidade, para nunca mais sair de lá, porque se transformou num arquétipo universal do injustiçado que não guardou rancor, que soube perdoar, reconciliar polos antagônicos e nos transmitir uma inarredável esperança de que o ser humano ainda pode ter jeito. Depois de passar 27 anos recluso,

eleito presidente da África do Sul em 1994, se propôs e realizou o grande desafio de transformar uma sociedade estruturada na suprema injustiça do apartheid (que desumanizava as grandes maiorias negras do pais condenando-as a ser não-pessoas) numa sociedade única, unida, sem discriminações, democrática e livre.


E o conseguiu ao escolher o caminho da virtude, do perdão e da reconciliação. Perdoar não é esquecer. As chagas estão ai, muitas delas ainda abertas. Perdoar é não permitir que a amargura e o espírito de vingança tenham a última palavra e determinem o rumo da vida. Perdoar é libertar as pessoas das amarras do passado, é virar a página e começar  a escrever outra, a quatro mãos, mãos de negros e de brancos. A reconciliação só é possível e real quando há a admissão completa dos crimes  por parte de seus autores e o pleno conhecimento dos atos por parte das vítimas. A pena dos criminosos é a condenação moral diante de toda a sociedade.

Uma solução dessas, seguramente originalíssima, pressupõe um conceito alheio à nossa cultura individualista: o Ubuntu, que quer dizer: “eu só posso ser eu através de você e com você”. Portanto, sem um laço permanente que liga todos com todos, a sociedade estará, como a nossa, sob risco de dilaceração e de conflitos sem fim.

Deverá figurar nos manuais escolares de todo mundo esta afirmação humaníssima de Mandela:”Eu lutei contra a dominação dos brancos e lutei contra a dominação dos negros. Eu cultivei a esperança do ideal de uma sociedade democrática e livre, na qual todas as pessoas vivem juntas e em harmonia e têm oportunidades iguais. É um ideal que espero alcançar e pelo qual quero viver. Mas, se preciso for, é um ideal pelo qual estou disposto a morrer”.

Por que a vida e a saga de Mandela funda uma esperança no futuro da humanidade e de nossa civilização? Porque chegamos ao núcleo central de uma conjunção de crises que pode ameaçar o nosso futuro como espécie humana. Estamos em plena sexta grande extinção em massa. Cosmólogos (Brian Swimme) e biólogos (Edward Wilson) nos advertem que, a correrem as coisas como estão, chegaremos por volta do ano 2030 à culminância desse processo  devastador. Isso quer dizer que a crença persistente no mundo inteiro, também no Brasil, de que o crescimento econômico material nos deveria trazer desenvolvimento social, cultural e espiritual é uma ilusão. Estamos vivendo tempos de barbárie e  sem esperança.

Cito o insuspeito Samuel P. Huntington, antigo assessor do Pentágono e um analista perspicaz do processo de globalização, no término de seu ‘O choque de civilizações’: “A lei e a ordem são o primeiro pré-requisito da civilização; em grande parte no mundo elas parecem estar evaporando; numa base mundial, a civilização parece, em muitos aspectos, estar cedendo diante da barbárie, gerando a imagem de um fenômeno sem precedentes, uma Idade das Trevas mundial, que se abate sobre a Humanidade” (1997:409-410).

Acrescento a opinião do conhecido filósofo e cientista político Norberto Bobbio que, como Mandela, acreditava nos direitos humanos e na democracia como valores para equacionar o problema da violência entre  os Estados e para proporcionar uma convivência pacífica. Em sua última entrevista, declarou: “não saberia dizer como será o Terceiro Milênio. Minhas certezas caem e somente um enorme ponto de interrogação agita a minha cabeça: será o milênio da guerra de extermínio, ou o da concórdia entre os seres humanos? Não tenho condições de responder a esta indagação”.

Em face destes cenários sombrios, Mandela responderia seguramente, fundado em sua experiência política: sim, é possível que o ser humano se reconcilie consigo mesmo, que sobreponha sua dimensão de sapiens  àquela de demens e inaugure uma nova forma de estar  juntos na mesma Casa.

Talvez valham as palavras de seu grande amigo, o arcebispo Desmond Tutu, que coordenou o processo de Verdade e Reconciliação: “Tendo encarado a besta do passado olho no olho, tendo pedido e recebido perdão e tendo feito  correções, viremos agora a página — não para esquecer esse passado, mas para não deixar que nos aprisione para sempre. Avancemos em direção a um futuro glorioso de uma nova sociedade em que as pessoas valham não em razão de irrelevâncias biológicas, ou de outros estranhos atributos, mas porque são pessoas de valor infinito, criadas à imagem de Deus”.

Mandela nos deixa essa lição de esperança: nós ainda viveremos se, sem discriminações, pusermos em prática de fato o Ubuntu.