Republica-se com alterações.
Fahed Daher
Seu Antônio, no balcão do bar, entre um gole e outro de cerveja, na
conversa animada de interpretar as mazelas da política e as imoralidades do
voto secreto do senado, de repente enveredou para o assunto da assistência
médica do SUS, criticando a má vontade dos médicos no atendimento dos
ambulatórios e criticando as atitudes que a imprensa noticiou de médicos que se
recusam a fazer plantão noturno, presos dentro do hospital.
Junto do seu Antônio estava um proprietário de um supermercado e este
concordava com toda a argumentação que ouvia.
Próximo, em outro grupo, bebericando a loirinha, havia um médico dos que atendem na previdência e fazem o
plantão noturno, o Dr. “J.C.Marela.”
Depois de ouvir toda a arenga do reclamante, pediu licença e interveio
na conversa com um argumento:
- Sabe, seu Antônio! Lendo as notícias do legislativo federal, no
noticiário da internete, fiquei sabendo que está para ser aprovada uma lei para
as compras do supermercado, para favorecer a classe das pessoas que vivem de
pouco salário...
- Que lei é esta?- Perguntou o empresário?
- O freguês irá ao banco, especialmente banco do Brasil, com a relação
das compras. Ali o caixa do banco escreve o preço de cada mercadoria, na tabela
estabelecida pelo departamento de mercados e preços. Ali o freguês paga para o
banco o total da compra que precisa. Em seguida o freguês vai ao supermercado,
escolhe a mercadoria, já pagou para o banco e entrega para o caixa do
supermercado a relação que o banco já carimbou como tendo recebido.
- Como o mercado receberá a compra do freguês?
- No fim do mês o supermercado faz uma relação de todas as notas
mandadas pelo banco e o banco paga ao supermercado.
- Isto é impossível! Gritou o dono do supermercado. Isto será uma
ditadura. Nós estamos numa democracia com nossos direitos individuais...
- Até que o senhor está certo. Mas veja uma coisa! Os alimentos, a
comida, contem diversos produtos químicos que o corpo precisa. O remédio é quase um substituto da comida. Pois é
produto químico composto no laboratório.
Se a comida é boa é melhor remédio do que a droga das farmácias.
- Pois bem! Assim o governo faz com os médicos. Ele manda o médico
atender e depois o médico tem de fazer uma fatura e apresentando ao governo.
Governo paga no preço que quer. , quando
não corta alguma relação da fatura apresentada, sem dar satisfação, leva muitas
vezes até 03 a
06 meses para pagar, sem correção. Por exemplo, uma consulta mais ou menos vinte
reais - Uma cirurgia, trinta a quarenta reais, assim por diante.
- É! Mas o mercado tem aplicação de capital e tem estoque de
mercadoria...
- O médico também. O dono do mercado não precisa de curso nenhum. Nenhum
estudo. Um pouco de inteligência de procurar o produto mais barato e revender
com lucro.
- O médico tem um bruto estoque. Só que ninguém vê porque esta guardado
dentro da cabeça. Começa a colecionar este estoque quando entra na escola
primária. 04 anos. Cadernos, livros, estudos, aprovações. Tempo. Dinheiro do
papai...
- Quando termina a primeira parte vai para o curso secundário. Aí a vaca
tosse! Estudos mais pesados. Livros. Escolas boas do governo? Nem pensar... São
poucas. O estudante tem de entrar numa escola particular.
Daí, do que o pai paga para a escola ainda paga imposto de renda. A
escola também paga imposto de renda. Então o governo não aplica dinheiro para
formar escola e recebe dinheiro da escola em forma de imposto.
- Nesta idade, muitas vezes, alem de estudar a gente tem de trabalhar.
Para ser médico vai para o colégio. Antes do vestibular, e cursinhos
preparatórios para o vestibular. Mais noites de estudos quando não segue pela
madrugada estudando.
Claro que acha algum tempo para algum bailinho e algum cinema, ou algum
namoro. Senão pode enlouquecer.
Ai vem o vestibular. 30 ou 50 ou mais candidatos para uma vaga e tem de
pagar a inscrição para fazer as provas. A escola particular tem mais um lucro.
Se for aprovado... Na medicina serão mais seis anos de estudos pesados.
Livros... Livros... Livros. Instrumental... Provas... Fadigas... Nervosos...
Fadigas até a formatura.
Formatura. Festa. Parece o fim, mas não é. Tem de conhecer a história,
conhecer elementos de filosofia, conhecer psicologia...
Precisa aumentar o estoque dentro da cabeça aprendendo o que é ética, o
que é humanismo. Ainda, para poder trabalhar, se inscrever no Conselho Federal
de Medicina. Novas provas. Se não for aprovado tem de voltar a estudar para
fazer novas provas.
Passado estes sacrifícios, agora procurar um hospital ou grande clínica
para aprender a prática da profissão.
Residência médica de dois a quatro anos. Estudos. Prática. Plantão.
Fadiga. Comprando mercadoria que é o conhecimento e equipamento. – Formando estoque.
Pagando sempre para armazenar estoque...
Agora? Se não partir para maiores estudos de mestrado e doutorado, com
mais outros quatro a cinco anos... Montar consultório... Cadê dinheiro?
Faz bruto estoque cerebral, cultural, técnico e não tem capital.
Tem de aceitar emprego do governo que estabelece o seu preço, o preço
para o seu estoque. Preço de doze reais por venda de conhecimento - Por
consulta.
O engraxate, com a banca de engraxar ganha dez reais, sem estudo e com o
estoque de duas latinhas de graxa. A câmara dos deputados paga três milhões por
ano para os engraxates da casa.
Quando o médico, com todo o estoque cerebral, capital aplicado, noites
de insônia... Quando reclama do sacrifício do atendimento, dos plantões
noturnos, diante do ganho, e se recusa de atender... A promotoria o ameaça de
processo.
- É! Mas a gente com o mercado tem sempre de renovar os estoques ou a
gente perde a freguesia.
- É verdade. Também o médico tem de sempre renovar os estoques de
conhecimento.
- Mas como vai renovar estoques?
- Com novos cursos e congressos
- Renovar estoques? Também o médico tem este problema. Tem de freqüentar
cursos e congressos. Comprar novos livros, assinar revistas médicas, comprar
equipamentos médicos.
Alem do mais, está sempre sob a fiscalização da sociedade. Tem de andar
bem vestido porque se andar mal vestido a sociedade o acusa e foge do seu
trabalho. Se algum paciente se achar prejudicado o médico está em condições de ser
chamado na justiça.
- Nos temos de enfrentar transações bancárias, enfrentar fregueses mal
pagantes... Contrapõe o comerciante
- É! Nós temos de enfrentar operações vendo o sangue correr, muitas
vezes na angústia de sentir que a vida está em nossas mãos. O nosso sentimento
e o nosso sofrimento não são pequenos, obrigados a muitas vezes passar as
noites sem dormir zelando de alguém.
- Mas veja quantos médicos tem seu carro, casa e muitos com fortunas
grandes.
- Existe, sim. Especialmente os médicos que conseguem, por recursos de
pais ricos ou outros meios, bons financistas, coisa difícil para a maioria. Os
que conseguem montar belos consultórios, sofisticados, nas grandes cidades, depois
de grandes sacrifícios ou ajuda dos pais. Consultórios que atraem clientes que
gostam de ambientes luxuosos, estes dispostos a pagar sem a previdência.
A maioria dos profissionais está correndo de emprego a emprego, dois a
três empregos e plantões noturnos. Nas grandes cidades enfrentando trânsito
terrível para ir de um emprego a outro.
Neste interior, muitos assumem emprego de prefeituras com a condição de
estar vinte e quatro horas à disposição, ainda fazendo por ajudar a exploração
política.
- Sim. O trabalho do comércio de mercadorias é nobre, quando humanizado
e com ética. O trabalho da medicina não pode perder a nobreza, não pode ser escravo.
Sobrames- Soc. Brasileira de Médicos Escritores
(Vice - Pres.) Paraná
Orador da turma de medicina de 1952 - Universidade
do Paraná.-
Acad. de Letras de Londrina. Centro de Letras do Paraná.
Pres. Da Acad. Centro Norte do Paraná – Acad.
Paranaense da Poesia. -