quarta-feira, 4 de setembro de 2013

DISCURSO DE FABIANI

Um lindo pescador de olhos azuis um dia jogou sua tarrafa para fisgar os peixes do dia a dia, mas nela, ao invés do sustento, veio a sereia mãe que, com o seu canto, fisgou o pescador.
Entrelaçados num único anzol, destino selado pelo casamento, nasceram as três filhas. Sou a mais nova delas, presa na brisa do mar, com água salgada a me banhar.
E segui assim, na marola mansa da vida, até o tsunami de emoções inundar toda a minha praia.

Fabiani, primeira à esquerda.

Quando acordei, nas areias do desejo, o curso Ler e escrever Rubem Braga pressionou tanto o meu peito que, ao invés da água salgada, de minha boca jorraram as mais diversas palavras e a partir desse momento, surgiram minhas crônicas.
Foi uma crônica premiada ali, outra aqui e as mãos cada vez mais discorrendo sobre o papel, levando ternas palavras agora para os já assíduos leitores.
Em traçadas linhas, vou tatuando a literatura em meu ser e, ao mergulhar nesse maremoto, é preciso ancorar em algum porto e tecer mais uma rede, pescar novos peixes.
Assim, saí do porto de Piúma, naveguei até o rio cricaré e atraquei em mais um porto. Qual? Na Academia Mateense de letras, cadeira nº 8, patrona Cecília Meireles.
Número 8 que, escrito na horizontal, forma o símbolo do infinito, tão eterno quanto o grafite que rascunho esse texto, tão eterno quanto as palavras que ele desenha numa folha de papel e que agora sussurro para vocês tal qual minha patrona Cecília Meireles, singela como a aurora, música jogada ao vento, proliferando poesia em nossos corações.

Cecília Meireles
Então, nas espumas da maré, entre a calmaria e um mar de ressaca, vou dando formas às minhas crônicas, pois nas garatujas da vida é que entra o escritor, desmembrando essa ciranda das palavras, formando textos que além de tocar o coração, despertam nossa alma, através das janelas dos olhos, para o mundo.

Dessa forma, vou trilhando o meu caminho, cronicando estrada afora, com a mente cheia de expectativas por adentrar as portas da AMALETRAS e de que, aqui, não só encontrarei o aconchego literário, mas também eternos amigos. 

DISCURSO DE POSSE DE WANDA ALCKMIN

Discurso de Posse para a Academia de São Mateus

Excelentíssima senhora presidente da Academia Mateense de Letras, Dra Marlusse Pestana Daher, Digníssimos Acadêmicos, Autoridades presentes, meus senhores e
Wanda Alckmin
minhas senhoras,
Boa noite!
É com muita alegria que chego à cidade de São Mateus para pertencer a essa distinta e ilustre Academia de Letras, ocupando a cadeira número 08, e também para conhecer de perto essa linda e histórica cidade, sua gente e suas vidas.
Agradeço de coração, o convite da presidente Dra. Marlusse, pois ela deu-me a oportunidade de descobrir a riqueza de viver uma emoção. Esse sentimento que brota fundo como o petróleo encontrado aqui, que é o amor, que começa a nascer, quando nos damos  oportunidade de conhecer um lugar, sua história e sua gente.
Não sou filha da terra... Mas também, como alimento de raiz, quero aprofundar-me, quero deixar minha escrita nascer, depois vir à tona, e se banhar nessas belas praias... Quero tornar-me secular como essa cidade e rezar pelo povo em suas antigas igrejas.
Quero ser novamente batizada e aqui nesse rio Cricaré, rio que corre manso, rio de São Mateus, quero contar uma história diferente da ocorrida com os índios após batizados, como nos relata o  1° missionário, Afonso Brás, em sua carta em 1551: “os índios aqui encontrados , após receberem o batismo, fugiam e quando voltavam estavam piores e continuando em suas crenças e práticas de costumes.”
Quero é ficar, e crescer internamente sob esse sol  e perto dessa gente.
Dizem que o amor na idade madura é mais profundo e mais manso.  Estou me vendo assim, após conhecer São Mateus e ser de certa forma um pouco de tudo e todos. E agora vivenciando esse sentimento novo, estarei mais cheia de dedicação e força para criar e fazer muito por aqui, com os meus trabalhos e meus estudos.
A presidente Dra Marlusse, escolheu para ser a minha Patrona, a Francisca Edwiges Neves Gonzaga, ela presenteou-me com a Chiquinha Gonzaga, a compositora, a pianista, a arranjadora, a regente, esse ser que se experimentou em gêneros musicais, desde o maxixe até a música sacra.
“Chiquinha foi a Princesa Isabel, de nossa alforria musical” –já disse  ; Edgar de Alencar, jornalista e musicólogo.
Ela chegou ao mundo desafiando a vida, e por isso foi batizada às pressas, recebendo o nome da santa do dia, Francisca Edwiges, a 17 de outubro de 1847 na cidade do Rio de Janeiro.
Nasceu numa atmosfera de luz erguida por lampião a gás, e entre essa claridade nova, a luz de Chiquinha sofreu apagões, mas teve muito brilho e acordou muitos ritmos, e movimentou muitas cabeças e costumes da época.
“Aquela Chiquinha, é o diabo” – disse Lopes Trovão- jornalista e político abolicionista.
O pai, José Basileu Neves Gonzaga, resolveu contratar o cônego Trindade para a educação de Chiquinha nas: áreas de leitura, escrita, cálculo, catequismo, e para completá-la, - aulas de piano- dadas pelo maestro Lobo.  Seu tio paterno se chamava Antonio Eliseu, era flautista e animava as festas familiares. E assim, foi que começou Chiquinha...  Aos 11 anos estréia sua 1° composição “Canção dos Pastores” com versos de seu irmão mais moço, o Juca, juntamente com o tio.
Por demonstrar uma forte personalidade e uma inquietude constante, seu pai acreditou que ela só se acomodaria com um casamento marcado. E assim aos 16 anos, Francisca Edwiges casou-se com Jacinto Ribeiro Amaral, 24 anos, filho de comendador e negociante bem sucedido.
Com o início da Guerra do Paraguai, o marido comandante e sócio de um navio mercante é convocado para transportar o pessoal e equipamento para a guerra. O casal já tinha 02 filhos, João Gualberto e Maria do Patrocínio. O marido iludido com a possibilidade de manter controle sobre a esposa,tenta convencê-la a acompanhar-lhe, arranjando-lhe até um violão a bordo, para que ela não se sentisse afastada da música.  Mas as complicações se multiplicam e o marido lhe dá um ultimato: Ou ele ou a música. Ela lhe responde de maneira respeitosa, mas firme: “Pois, senhor meu marido, eu não entendo a vida sem harmonia”. Chiquinha dava nessa altura, por volta de 1868, um passo definitivo para se tornar mais que uma musicista, um vulto de nossa história.
Os 1°gêneros populares da música brasileira foram a modinha e o lundu. A modinha se encarregava do aspecto romântico e o lundu traduzia o humor e a sensualidade, e até a chegada da polca era essa a nossa música popular. A medida que as partituras de polca foram chegando e caindo no gosto dos pianistas, os músicos populares passaram a copiar aquele modelo de dança. Nessa transposição, foi acrescentado então, o sotaque exacerbadamente sentimental ligado à música portuguesa e uma malícia rítmica poderosa da presença de acentuações e antecipações do tempo forte, no ritmo dos escravos africanos, tornando tudo mais surpreendente e divertido. E dessa mistura nasceu o choro, e foi por essa via do flautista Callado, líder entre os chorões, que o choro aproxima de Chiquinha. Ela foi homenageada pelo flautista com a polca “ Querida por todos” em 1869.
Aos 23 anos de idade ela se entrega a paixão por João Batista Carvalho, engenheiro que trabalhava com a estrada de ferro. Vive-se com ele nos acampamentos de construção da estrada de ferro Mogiana, no interior de Minas entre 1871/1875. Dessa união nasce Alice. Acusada de adultério, Jacinto abre um processo de divórcio no Tribunal Eclesiástico, algo pouco comum e que a própria igreja não incentivava. Mas antes da sentença ser proferida, em 1877, Chiquinha já estava separada de Carvalhinho. A decepção com esse amor marcou para sempre, sua alma e sua música. A partir daí resolve se dedicar mais ainda a música, e nesse mesmo ano publica a polca “Atraente” em fevereiro de 1877 e em novembro já alcançava sua 15°edição. Chiquinha estava com 30 anos quando se tornou a 1° chorona e 1°pianeira, expressão originalmente pejorativa, usada para pianista de música popular. Mais tarde chegam-lhe outros sucessos, com as valsas “Desalento” e “Harmonia do coração”, e a polca “ Não insistas rapariga e, o tango” Sedutor”.
Além de divorciada, profissional da música, que já era motivo de escândalo, ela ainda se vestia de forma nada convencional, pois inventava e fazia seus vestidos e ainda arranjos para os seus cabelos, tornando tudo muito original.
Chega-lhe ainda mais outro grande sucesso ; a polca “Sultana”que lhe rendeu muitos elogios no jornal do Comércio.
Chiquinha mesmo com toda sua vida musical em as ascensão, precisava complementar sua renda, e assim dava aulas a domicílio de piano, canto, francês, geografia, história e português. Ainda arranjava tempo de se dedicar a causa Abolicionista, e fez de tudo nesse movimento e esteve presente até na substituição popular que financiou a doação da pena de ouro que assinou a Lei Áurea.
Com a morte de Callado, seu protetor no meio social e cultural, Chiquinha procura se aperfeiçoar no piano com Artur Napoleão, que se torna seu editor e assim procura veículos de mais divulgação. Encontra então o Teatro de Variedades. O teatro musicado popular vai ganhando público, e Chiquinha sempre sintonizada com as novidades e atenta ao gosto do público, vê ali sua chance, e firme no projeto, se torna a maestrina da Pça Tiradentes. A conquista do reconhecimento como maestrina teve sabor especial em sua vida. Um espetáculo com música de Francisca Gonzaga era garantia de casa cheia. O segredo do sucesso de Chiquinha e do teatro popular era fazer a cidade se ver no palco.

Chiquinha, no entardecer da vida.

A vida profissional parecia-lhe ir de vento em popa, mas a sua vida pessoal estava sem a proteção da família. Chiquinha procurava no meio artístico agora, quem pudesse protegê-la e prestigiá-la. E desta a vez, encontra Carlos Gomes de quem se torna amiga e cuja admiração irá protegê-la da má vontade que os eruditos do Conservatório tinham com sua  música.
Chiquinha jovem.


                                                                                                                                                                                                                       
Os trabalhos foram se sucedendo até que na opereta burlesca de costumes nacionais “Zizinha Maxixe”, de 1895, apareceu no final do terceiro ato o “cateretê-corta-jaca/ Gaúcho”, -  mais tarde editado como  “Gaúcho-tango”, que acabaria se tornando no final conhecido como “Corta-jaca”, um grande sucesso de Chiquinha que até hoje está entre o repertório mais usual das rodas de choro. Quatro anos depois, ela usa de sua aguçada sensibilidade e cria a 1°música de carnaval, Ó Abre Alas....que eu quero passar....melodia simples para versos curtos...e nascia assim... a música carnavalesca brasileira.
Nesse tempo Chiquinha morava no bairro Andaraí e pra lá muda o farmacêutico e teatrólogo Ernesto de Sousa, que gostava de reunir aos sábados jovens estudantes e músicos amadores do conjunto no Clube Euterpe, ou Estudantina Euterpe . Chiquinha tinha facilidade de conviver com os estudantes e acabou conquistando um deles de forma arrebatadora e definitiva: João Batista Fernandes Lage, de 16 anos, nascido ao norte de Portugal. Chiquinha estava perto dos seus 50 anos.
A estabilidade dessa união e a dedicação que João Batista lhe devotou até o final da vida foram um descanso para o coração sofrido da compositora. Chiquinha inicia uma série de viagens à Europa, sempre pensando em ampliar seu horizonte de trabalho. Durante 03 anos escreveu para montagens teatrais de Lisboa e do Porto e obteve seu maior êxito com a ópera cômica: “A Bota do diabo.” Mas em maio de 1909 ela retorna para o Rio de Janeiro e encontra uma cidade remodelada e mais cosmopolita, o Rio com cara de metrópole de primeiro mundo.
A novidade da chegada dos 1°s projetores de cinema, gerou uma reação nos teatros que se sentiram ameaçados. Faz-se necessário mudanças, nas peças que se tornaram mais rápidas e mais curtas. A maestrina retornou para o seu trabalho imediatamente, e continuou sintonizada com o gosto dos cariocas. Escreveu partituras elogiadas para peças como “Manobras do amor”, “Colégio de senhoritas”e a imprensa já se referia à música desses espetáculos como sendo: a do “estilo de Chiquinha Gonzaga”.
Em 1911, dois jovens autores procuram a maestrina com uma idéia diferente: uma peça que mostrasse os costumes do bairro popular da Cidade Nova, não só através de música e dança mas também com gírias e expressões típicas. Chiquinha gosta da proposta e usa seu prestígio pessoal para convencer a companhia de Teatro São José a montar “Forrobo-dó: um choro na Cidade Nova. O sucesso foi retumbante, o “maior”da maestrina no teatro. O sucesso de Chiquinha nos teatros da Pça Tiradentes prosseguiu ainda por vários anos, até que o cinema falado fizesse o gênero sucumbir. Dois anos depois do sucesso de “Forrobo-dó” Chiquinha voltou à primeira página dos jornais com mais um feito. Dessa vez quebrando barreiras sociais que impediam a música popular de entrar em certos ambientes.  Houve uma festa no Palácio do Catete, e lá se tocou o “Corta-Jaca”. Foi um escândalo, que a imprensa não perdoou, mas Chiquinha quebrava mais uma barreira.   
Sempre preocupada em garantir seu sustento, nossa compositora foi  pioneiríssima na defesa do direito autoral, e juntamente com vários autores de peças Teatrais, ajudou a fundar em 1917 a Sociedade Brasileira de Autores Teatrais  a –SBAT, entidade pioneira no Brasil.    Dois anos depois colheu seu derradeiro sucesso nos teatros da cidade com a peça de costumes regionais “Jurity”, escrita por Viriato Corrêa.   Chiquinha ainda se aventura juntamente com o marido no terreno fonográfico.  Abrem uma fábrica de discos nos fundos da casa onde moravam e ainda lançam artistas importantes como Francisco Alves e o compositor Sinhô, através de gravações do “Bloco do Fala Meu Loro” e do Grupo dos Africanos . Os discos tinham selos Popular e Jurity.                                                                                                                         Em 1933 escreve sua última opereta, “Maria”, com o libreto de Viriato Corrêa, totalizando 77 trabalhos para o teatro, uma marca difícil de ser igualada.
Durante os longos anos de uma existência de lutas mas com bastantes vitórias, Chiquinha Gonzaga, também vivencia grandes homenagens ao seu trabalho. Todavia, em um tempo de sua vida, ela se recolhe em seu apartamento na Pça Tiradentes. Local este, onde só João Batista tinha acesso. E ali, neste apartamento num fim de tarde, na antevéspera do carnaval, numa quinta-feira, 28 de fevereiro de 1935, morre Francisca Edwiges Neves Gonzaga, a Chiquinha Gonzaga, com seus 88 anos de idade.  
Tanto no tratamento respeitoso dos cameristas eruditos, quanto na alegria espontânea dos chorões do século XXI, a música de Chiquinha “SEGUIRÁ VIVA “,  e sempre pedirá o “Ó ABRE ELAS” para ela, a Chiquinha Gonzaga passar, e continuar nos ensinando muito  sobre a identidade musical brasileira.                          

Muito obrigada à todos pela atenção.