Marzia Figueira, (24/07/1937-16/12/2000) jornalista, escritora, membro da Academia Feminina Espirito-santense de Letras.
Deus é pai – além de Filho e Espírito Santo, amém. Mas não é que o congresso, até que enfim, faz algo de saudável dentro do caos que é a falida saúde brasileira? Os homi aprovaram a lei contra o fumo! Tá proibido fumar em tudo quanto é recinto fechado. Breve, com a graça divina influindo e contribuindo mais uma vez, o cigarro vai ser vetado também em área aberta... Maravilha! O Brasil, devagar e sempre como sempre, ainda chaga a Primeiro Mundo, pode crer.
Vai ser proibido fumar em
restaurantes, por exemplo. Um grande suspiro de alívio, além de uma profunda e
revigorante inspiração de ar puro, saúda a medida. Sim, porque, finalmente,
acaba a falta de educação geral e generalizada: enquanto os mais lentos ainda
não terminaram sua refeição à mesa, os mais apressadinho qu, aliás comem cru,
ou queimam a língua porque comem fervendo, sacam suas armas . Isqueiro e
cigarro na mão, atacam sem dó nem pena – ou respeito.
Também vai ser proibido
fumar em avião. Acaba a inútil escolha por poltronas para fumantes e
não-fumante. Inútil porque não dá para separar a fumaça, nem prender a fumaça.,
nem cercar a fumaça, a fim de impedir que ela se evole e atinja as narinas mais
sensíveis ao lado ou em frente.... Nos shoppings a farra dos fumantes também
vai acabar – arrrááá! E nos ônibus municipais e interestaduais idem ibidem. O
ilustre passageiro ao seu lado não corre mais o risco de morrer de bronquite.
Salvo não pelo velho Rum Creosotado mas pela lei... Se é que essa lei pega no
Brasil. No que pegar, todo mundo de mente e corpo sãos vai poder trafegar em
paz e sossego, longe da prejudicial fumacinha e do odo indefectível, seja de charuto, cachimbo,
cigarrilha, cigarro, mata rato, o escambau.
Os fabricantes devem estar
esperneando e tomando medida gástricas,
como diria a Magda de Marisa Orth, impagável no programa da TV, Sai de Baixo, e mexendo todos os
pauzinho disponíveis para não permitir que essa lei vigore. Mas não vai
adiantar. Porque mesmo que uma marca famosa de cigarro veicule por aí que fumar
significa free, não existe ninguém mais escravo que um fumante em exercício de
sua deprimente atividade. Como disse há muitos anos o garoto que venceu com sua
frase o concurso lançado pela Liga contra a Tuberculoso sobre o fumo: “Não fume
ao meu lado, morra sozinho”. Ou o outro, 4° lugar, que aniquilou com os
fumantes, viciados, assumidos: “Adulto também chupa chupeta: o cigarro” ... Que
vexame. Vade retro! Chupetas fora! Afinal, vocês são Homo sapiens ou Pés de
coentro?!... Pois recolham-se a sua humilhante condição de tempero (argh!),
encerrem-se em sua autoclausura e deem vazão a sua patética escravidão.
Enquanto isso, a gente
canta a liberdade. Liberdade, liberdade, abra as asas sobre nós – o povo eleito
e autossuficiente que não depende de um rolinho de papel recheado com veneno
para ser feliz.
Marzia Figueira em
Os Inocentes, p. 108