sábado, 16 de novembro de 2013

DUAS VIDAS

Antes de adentrar o portão do prédio em que mora minha mãe, contemplei pela calçada uma pequerrucha de pouco mais de um ano que ousadamente, larga a mão da mãe que a conduzia e se aventura em caminhada solo.
Andando em corda bamba

Por umas duas vezes seus passos traem-na e com um simples cruzar de pernas, uma foi para frente reta, a outra dobrada ficou para trás, quase senta-se no chão. Com um impulso se ergue e de novo lá vai... Ela me viu, mas o que lhe importa a minha presença?

Subo ao segundo andar. Abro a porta e deparo com minha mãe cujos passos se tornaram ainda mais lentos, o corpo curvado para frente, como quem sente os 97 anos passados. Caminha apoiando-se nos móveis da sala, nas paredes da pequena circulação. Não me vê, a visão lhe foi roubada por uma queda despercebida de retina, enquanto do outro olho, só tem visão a frente que vai minguando também. É ainda mais precária sua audição.

Duas vidas. Uma desponta, ainda carece de todos os cuidados, mas já busca autonomia, pensando que pode ir onde quiser. Desafia sem consciência qualquer perigo, prescinde da mão que a conduza, escolhe a direção a tomar. E tem caminho imenso à sua frente, vai continuar crescendo ainda por década e meia, depois por bem mais um lustro chegará a idade de jovem adulta. Muita água vai rolar ainda debaixo daquela ponte.

A outra vida vai-se extinguindo, já se foram muito dos sentidos, órgãos há que já não se comportam como antes... a própria lucidez escapou. Aceita se vê, mão que lhe for estendida.

Tal qual o dia que nasce e se põe. É a vida!


Vitória, 16 de novembro de 2013  
18:05