terça-feira, 20 de agosto de 2013

HENRIQUETA LISBOA, UM ESBOÇO EM CLARO/ESCURO



                                        Marilena Soneghet

 “Com minhas frágeis / e frias mãos cavei um poço / no fundo do horto / da solidão”  - HL

 
Henriqueta Lisboa

       Anos atrás, debrucei-me a conhecer as obras de algumas figuras feminis que se destacaram no século XX: Florbela Espanca, de Portugal, Gabriela Mistral do Chile, a uruguaia Juana de Ibarbouru - “Juana de América” -, Cecília Meirelles e Henriqueta Lisboa, do Brasil – todas “sacerdotisas do inexplicável” como as define o crítico Paschoal Rangel.

        Tocada pela densidade da lírica henriqueteana, passei a vasculhar livrarias e sebos em busca do ouro de sua lavra. “Lavra”, sim. Como boa mineradora, ela faz das indagações uma ferramenta ao “escavar” os mais ricos filões. Segundo o crítico Fabio Lucas, é bem “típica de HL essa índole meio barroca, com retorcimentos de consciência, a espiritualidade, os grandes silêncios e a surdina.” Contemplativa, observadora, ela transforma a vida em força criadora, extrai-lhe o sumo e a torna poesia. Uma poesia que,  ao fundir elementos do Simbolismo, do Classicismo e do Modernismo, os transcende, tornando-se única!

       Henriqueta nasceu aos 15 de julho de 1901, na aurora desse “século de assombro”. Lambari, a estância das “águas virtuosas” ao sul de Minas, foi seu berço. Seus pais, João de Almeida Lisboa e Maria Rita de Vilhena Lisboa, deram-lhe família numerosa. Educada nos moldes da tradicional família mineira, estudou no Colégio Sion, frequentado por moças da elite, onde aprendeu fluentemente o francês. Mal compreendendo seu jeito reservado, a diretora do colégio a alcunhava: “la petite orgueilleuse”. Mas era por extrema sensibilidade que se recolhia à solitude. Plateias a constrangiam, e justificava-se dizendo “ter feito do silêncio e da sombra sua morada”.

       Em seu perfil, nota-se, desde logo, a suavidade do caráter sobre o qual Afonso Romano de Sant’Anna escreveria: “ela passa por nós como uma brisa,[...] com o rumor branco da poesia”. Sua postura digna e a frágil silhueta despertam brandos sentimentos. Termos como brisa, anjo, asas vestem a persona da poeta.

        “HL vive sempre esvoaçando em meus pensamentos, feito um passarinho”; comenta Mario de Andrade, que divisa em seu lirismo: “uma carícia simples, dor recôndita em sorriso leve e frase contida.” Grandes amigos, mantiveram entre si, por vários anos, assídua correspondência.

           Aos 21 anos HL publica Fogo fátuo. Mas é com Enternecimento (1930) , sua primeira obra considerada de fato, que se projeta no panorama literário, ao conquistar o Prêmio Olavo Bilac da Acad. Brasileira de Letras! Seguem-lhe Velário”(1936), e Prisioneira da Noite (1941) que, juntos, marcam a primeira fase de sua poesia, a do “penumbrismo” - dos poetas fascinados pela sombra, e pelo mistério :

“Ó noite, ensina-me / o teu magno segredo: iluminar da sombra.”

       Talvez esse paradoxal desejo seja um reflexo de uma vida ascética, condicionada à ideia, predominante na época, de poetisa e mulher.

       Seria por demais extenso traçar um panorama de sua obra que abrange dos temas infantis à tradução de grandes poetas, a temas reflexivos, recorrentes (como o da morte), que se adensam a cada novo livro. A descoberta da vida e seus valores em Azul Profundo e O Alvo Humano  são, no seu dizer, “incursões em busca das causas primeiras” [...] “a observação do ser enquanto ser, sem a ilusão das aparências”. Essas palavras e uma profunda religiosidade atestam estar em Alvo Humano o leit motiv de sua poesia.

       Se indagar é um fenômeno inerente ao Ser, a poética de HL explora, inquieta, os sombrios esconsos dos enigmas humanos:  - “De onde veio/ Quem é?/ Para onde vai quando se for?” ou “Que poder obscuro/ governa teu povo, ó Deus?” e ainda “Ó vida, ó morte entrelaçadas /fibras da humana tessitura,/ onde findais ou começais,/ nesses crepúsculos de aurora/ em que a luz exsurge da sombra/ numa sucessão conivente?”

       Sua obra completa-se com Miradouro (“um livro difícil com grossas franjas de silêncio” PR), Celebração dos Elementos (1977), sobre o cosmos e o mundo espiritual, e Pousada do Ser  (1982), com o qual encerra sua carreira literária aos quase 80 anos de idade. HL vem a falecer em BH aos 9 de outubro de 1985.

       Sobre sua poesia disse Drummond: “Não haverá, em nosso acervo poético, instantes mais altos do que os atingidos por este tímido e esquivo poeta.”

       Entre o efêmero e o eterno HL viveu a poesia em sua essência;  “tocou as fímbrias do Absoluto ao tentar desvendar o sublime que se encontra em cada gesto, em cada sentimento, em cada palavra”.

 
 “Há de chegar o dia em que em todo o universo, não restará de mim nem uma poeira de ossos. E como hoje, tal qual, haverá noite de lua, e um vulto a uma janela e um sofrimento e um verso”...