O casebre de João Lúcio e
Auristela era ainda menor, ainda mais pobre e fora erguido na baixada, a bem
uns 15 m do alinhamento. E descendo é que fui encontrá-los.
João Lúcio, solícito, abriu
as portas... do coração é claro, como quem recebe gente ilustre porque a porta
da casa está sempre aberta, e até três bacorinhos me pareceram muito familiares
ali, naqueles 15 metros quadrados de imensa pobreza. A um canto, o fogão onde o
fogo não ardia e panelas nada cozinhavam.
Auristela, de cócoras,
numa água que nem antes me pareceu pudesse ter sido limpa, banhava Ciciane.
Olhou-me ao entrar, sem hostilidade, mas também sem alegria. Uma face que
realmente, se cuidada, pareceria muito bonita. Enxugou Ciciane, deixando-a
sobre a enxerga a contemplar os porcos que comiam casca de manga no chão.
Eu me pus a pensar se
haveria revolta naquela vida, entusiasmo era evidente que não, ou o que havia. Vestiu uma calcinha em
Eliane e passou com a mesma tristeza nos olhos e depois nas palavras a falar
comigo que a esta altura entusiasmava João Lúcio a obter sua carteira
profissional e lhe dizia: quem o vir com uma carteira dessa na mão, vai ver que
você é um trabalhador, protegido pelo Ministério do Trabalho e Previdência
Social. Eu acreditava que era mesmo assim.
- É, mas eu vivo de
carregar água, não tenho “registro”. No tempo das eleições, lutei para
conseguir, mas não consegui”. E noutro tom, resignado e sincero: “Eu acho que
não tenho sorte”!
Senti uma pena imensa, mas
uma luz brilhou em mim e lhe respondi: não, João, talvez você não tenha sido
esperto, isto é, não chegou primeiro na fila. Nessas circunstâncias, a gente
tem que chegar uma hora antes e não deixar que ninguém passe na frente da
gente.
Ele sorriu convencido: “sabe
que é isso mesmo”?
Eliane e Ciciane também
não estão registradas e João não tem dinheiro para isso, neste dia, nem para
comer havia alguma coisa.
Quase me arrependi de
falar que o fotógrafo até fizera uma diferença de Cr$ 1,50 no preço de seis fotografias
para que todos tirem sua carteira profissional e que S. Nenê cobrará só Cr$
8,00 por registro, para que ele pudesse registrar as filhinhas por quem notei
ter muito carinho.
No final, meus braços caíram
sem alento, só a voz se conservou.
-É, João, infelizmente, eu
não tenho mais a lhe dar. Que Deus abençoe você, sua família, sua casa. Até
logo!
Atrás de mim, ainda ouvi o
clássico sertanejo: seja feliz...
Por dentro eu dizia:
abençoa mesmo, dá um jeito, meu Deus, João não pode ser decepcionado, se
alcançar a profundidade do meu voto.
Como é maravilhosa a ação
do nosso Projeto Rondon, estamos descobrindo problemas, poderemos
solucioná-los?