sexta-feira, 10 de maio de 2013

A CRUZ DA ESTRADA

Castro Alves

 Caminheiro que passas pela estrada,

 Seguindo pelo rumo do sertão,

 Quando vires a cruz abandonada,

 Deixa-a em paz dormir na solidão.

 
 Que vale o ramo do alecrim cheiroso

 Que lhe atiras nos braços ao passar?

 Vais espantar o bando buliçoso

 Das borboletas, que lá vão pousar.

 
 É de um escravo humilde sepultura,

Foi-lhe a vida o velar de insônia atroz.

Deixa-o dormir no leito de verdura,

Que o Senhor dentre as selvas lhe compôs.

 
 Não precisa de ti. O gaturamo

 Geme, por ele, à tarde, no sertão.

 E a juriti, do taquaral no ramo,

 Povoa, soluçando, a solidão.

 
 Dentre os braços da cruz, a parasita,

 Num abraço de flores, se prendeu.

 Chora orvalhos a grama, que palpita;

 Lhe acende o vaga-lume o facho seu.

 
 Quando, à noite, o silêncio habita as matas,

 A sepultura fala a sós com Deus.
 
 Prende-se a voz na boca das cascatas,

 E as asas de ouro aos astros lá nos céus.

 

 Caminheiro! do escravo desgraçado

 O sono agora mesmo começou!

 Não lhe toques no leito de noivado,

 Há pouco a liberdade o desposou.