quinta-feira, 10 de março de 2011

P R I M A

Ouvi Eugênia que é minha prima, (a mãe dela e o meu pai eram irmãos), chamando de Prima aquela mulher ainda jovem, rosto bonito e de uma cor que não decifrei a raça, se negra ou cabocla. Ela a ajudava nos serviços domésticos. Naquele dia, em particular,  era “auxiliada” no tipo “trabalho de criança é pouco, mas quem perde é louco”, como dizia minha avó Rosinha, por uma neta de apenas 10 anos. Em pouco tempo, toda  a casa brilhava com a limpeza.

Sentada à mesa,  onde acabara de sorver café, perguntei à minha prima o porquê do tratamento Prima (cheguei a pensar que fosse nome próprio) e ela (estava até descascacando uma cebola) me respondeu: “Merência (aquele tipo preta-velha que vive uma vida ao lado de uma família e que acaba por ser tão estimada como membro dela) a chamava de Prima e nós por ter ouvido dela,  mantivemos o tratamento”. Estava tudo explicado, até porque de Merência sei bastante.

Minha pergunta motivou Eugênia a falar um pouco mais sobre Prima e provavelmente pela singularidade do fato, com voz e ar expressivo me revela: “sabe que Prima não sabe ler, nem escrever” e virando-se para ela cujo rosto não obstante o que ouvira, estava iluminado por um sorriso que lhe acrescentava beleza, pediu: “diga a Marlusse, Prima, porque você não aprendeu a ler”. A resposta veio com simplicidade, sem resquício de qualquer mágoa ou lamento: “meu pai dizia que era para que nós não escrevêssemos cartas para namorados”.

E havia escola ao alcance da família.

Talvez tocada pelo clima com que tomei conhecimento do fato, curiosamente, não senti particularmente nada, como quem ouve apenas uma outra versão de um fato bem conhecido. 

Mais tarde, toca um celular que Prima apanha atrás de uma vasilha e atende. Era o marido avisando-a de que à sua casa acabavam de chegar parentes. Como quem diz, vem para ver o que se faz. Eugênia, logo aquiesceu, “vai, Prima, o resto eu faço”.

Opa! Prima não aprendeu a ler, mas tem celular! E ai meu pensamento disparou. E quem disse que não saber ler é (será?) tão determinante?

Assim mesmo iletrada, Prima foi crescendo, conheceu alguém por quem o coração bateu mais forte e se casou, tem filhos, tem netos, recebe parentes, tem amigos, se comunica, trabalha. Pelo que se pode perceber, é excelente dona de casa, seu ambiente é limpo e arrumado, cada coisa está no seu lugar.

Claro, antes de tudo, Prima nasceu como toda pessoa nasce. No gênero mulher, desenvolveu física e psicologicamente todos os potenciais possíveis. Sua aparência é acolhedora. Será que o que lhe falta é só ser capaz de olhar um texto e saber o que diz?

Certamente, ela teria um algo mais (muito mais?) se não fosse iletrada, mas é uma mulher! Como mulher, nada fica a dever em tudo o mais ao que fazem as outras. Ser mulher é ser (ser é tudo) independente do que lhe vem ou é somado de fora para dentro. Como mulher de dentro para fora alcançou e domina todos os espaços que seus limites lhe concedem. Não cogita, talvez até porque ignore, do que possa existir além do seu mundo. O fundamental ela sabe: que a vida está ai, vive-se um dia após o outro. Importa viver.  

Resumindo trata-se de uma mulher, mulher e daí?

Embora faça parte dos que preferem dia de mulher todo dia e  se tenham passado dois dias, pelo Dia Internacional da Mulher, ano de 2011, aqui vai minha homenagem a uma MULHER (com maiúscula sim), uma mulher que também continuarei chamando de Prima, que a bem da verdade, nem sei de quê. Mas que importa?

Marlusse Pestana Daher
10/3/2011 - 09:23

EIS AI, MULHERES, NENHUMA É  PRIMA








 Obrigada Ester.

Uma homenagem às amigas Acadêmicas, bravas guerreiras da Arte, da Cultura, do dia-a-dia.
Abraço


Senhora dos ventos

 Maria Esther Torinho

Senhora dos ventos
- embora se queira senhora de todos
os elementos -
faz aliança com o tempo
e enfrenta as tempestades
com um olho no dia
da bonança;
criança no colo
e mãos na máquina
de escrever, como Clarice
ou de lavar, como outras tantas,
quem foi que disse que ela se entrega
e se acha uma qualquer?
Não, que ela na força se imanta
e na face a coragem estampa;
é bendita desde o seu ventre
sendo simultaneamente
do lar, rainha e escrava,
é fera ferida e guerreira brava 
é doce e mel, é também atrevida:
com tantas virtudes e tantos defeitos
ela é simplesmente Mulher!