segunda-feira, 22 de novembro de 2010

UM HOMEM DE TRANÇA

No meio da multidão que vai e vem concentrada no centro da grande cidade como é comum acontecer, gente que passeia, gente que sai de casa só pelo hábito ou prática cotidiana de fazê-lo, já se acostumou, tem que sair, gente que vai e vem do trabalho, vestida de todas as formas, conforme o nível social ou a condição econômica que tem, uma figura distinguia-se.
Vestia calça bege e camisa listrada, por sinal bonita. Alto, esguio, passaria despercebido, não fosse a trança jogada ao peito, através do ombro esquerdo, rala, como raros eram os cabelos que lhe restavam na cabeça.
Fitei aquela pessoa, ainda que por breve momento, já que o fenômeno aconteceu. O fitar alguém é como um poderoso atrativo, não tardou que ele me fitasse também. E tive que desviar meu olhar. Aquele tempo de contemplação, no entanto, fora suficiente para imprimir de forma indelével como fotografia a imagem que me arrebatara.
Não me pareceu pessoa aquinhoada pela fortuna, quem sabe até pelo amor de verdade, exceção feita ao de mãe. Não me pareceu que se tratasse do tipo que se deu bem no que fez e que pode-se dar a não prática de uma atividade para continuar provendo a própria vida ao menos do básico para viver com dignidade.
É provável que se trate daqueles tipos que por adotarem certos parâmetros como o de se pentear, por exemplo, tenha sofrido achincalhes e para manter o próprio gosto tenha sido necessária uma grande capacidade de superação e assim apesar dos olhares, aqueles olhares, não renunciar ao próprio gosto, tipo, que importa o que os outros pensem ou que não gostem, eu gosto é quanto me basta.
Transparecia faltar alegria naquela face enrugada, de grandes sulcos emoldurando a boca cujos lábios não mais o compõem com harmonia, espremidos que foram talvez pela ausência de dentes, nosso personagem desfilava entre a multidão que se acotovelava na calçada imprópria, feita parada de coletivo, se desviava daqui e dali e seguia impoluto.
Não parecia que devesse ir a qualquer lugar. Pode ser que naquele dia estivesse de folga do trabalho, muitas são as hipóteses de sua presença ou para onde ia.
Mas havia uma trança, feita com pouco volume de cabelos que exibiam também a chegada daqueles de cor branca, digamos que eram tantos pretos, quantos brancos, a sua trança, escolha feita com carinho, aguardada com ânsia os cabelos que cresciam, se alongavam, até atingirem a possibilidade de uma vez trançados, serem jogados por cima do ombro, era a realização. Um sonho acalentado, uma expectativa alcançada e apesar de a imposição de outros condicionamentos não permitirem o externar, em seu íntimo provava alegria.
Era quanto bastava, para o desfile proposto, gostassem ou não, que todos vissem sua trança.

Marlusse Pestana Daher
22/11/2010 00:02